Garimpo da audiência

Por Felipe Ramires, para Coletiva.net

Em tempos de Netflix, streaming, YouTube e entretenimento on demand, encontramos uma infinidade de séries, filmes, documentários... Muitas delas cheias de investimento e propósito de manter o serviço de streaming em alta, por óbvio. Contudo, assim como em uma roda de amigos, muitos de nós conversamos sobre o que assistimos, gostamos e detestamos. Dentre todas essas conversas e opções que surgem, normalmente somos levados a assistir àquilo que o poder de investimento da produção nos traz, e pouco exercemos aquela velha e boa "garimpada nos canais". É bem verdade que o número de pessoas que assina TV a cabo reduziu, entretanto, esse "garimpo" era feito justamente para extrair de um monte de rocha uma pepita de ouro e, dentro disso, encontrar o valor que se procura naquele ato. 

Eis que nessa busca encontro, aqui, no quintal de casa, uma produção nossa, do Paulo Nascimento, chamada 'Chuteira Preta'. Uma grata surpresa, que me faz quebrar o preconceito de achar que o regional não é tão bom assim. E é. É bom, é gostoso de acompanhar e nos instiga a continuar acompanhando a trama.

O enredo fala da trajetória do jogador de futebol, Kadu, interpretado por Márcio Kieling, carinhosamente conhecido por todos como "o eterno Perereca", personagem de 1999 do seriado Malhação, da Rede Globo. A  nova série é exibida no canal Prime Box Brazil, 156 da NET. Entre os atores, estão o conhecido Nuno Leal Maia, Kadu Moliterno, Maria Zilda, Nicola Siri, Zé Vitor Castiel, entre outros artistas gaúchos e nacionais.

A história expõe uma realidade que está por trás das cortinas do esporte em questão e em como é cada vez mais comum ver atletas serem impulsionados a buscar fama e dinheiro e não pensar no que isso lhes traz no médio e longo prazos. Refletimos em como essa mudança pode mexer com a cabeça de um ser humano e faz pensar qual o impacto da mídia nos casos de sucesso e fracasso.

Como aqueles fanáticos, que se dizem torcedores, influenciam na liberdade dos atletas, fazendo com que muitos tenham de mudar de estado, ou até país, para voltarem a se sentir seguros. Como meninas são atraídas a buscar o fácil para sentir um pouco de sucesso em suas vidas. A forma como os clubes e alguns dirigentes tramam e tornam algo movido pela paixão do torcedor, uma máquina de beneficiar pessoas sem ética e escrúpulos, utilizando meninos como matéria prima e moeda de troca.

Enfim, uma obra muito bem montada, mas que traz à tona uma percepção de que ainda vivemos aceitando aquilo que é proposto pelas grandes produtoras e não percebemos que, na busca, também é possível encontrar valor. As mega-produções de Hollywood continuam nos entretendo com magia e efeitos, mas não tem aquela pegada regional que o gaúcho tanto gosta e que fala da realidade em que muitos de nós vivemos.

O cinema brasileiro ganha com essa série; o gaúcho se orgulha do chão onde ela foi gravada; a arte de qualidade ganha mais ambientes, fora dos grandes canais; os telespectadores se mantêm ativos, acreditando que o ouro, advindo desse garimpo, permanece sendo essencial e saudável.

Felipe Ramires é formado em Marketing, professor do Senac e consultor de Marketing Digital.

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