Por Carlos Castilho Propor soluções para problemas públicos num jornal, revista, rádio ou telejornal sempre foi uma iniciativa arriscada e, muitas vezes, frustrada pelo fato de ser associada a interesses do repórter ou do editor. O que os anglo-saxões chamam de
advocacy através da imprensa só é uma ação tolerada quando envolve interesses das empresas jornalísticas. A norma vigente, na quase totalidade das redações, é a de que os
profissionais devem se limitar à descrição do problema, e em casos especiais à sua investigação e contextualização ampliada. A regra não escrita atribui às autoridades competentes a busca de soluções para a questão em agenda. A aplicação da regra de uma suposta isenção e objetividade no trato do problema não foi suficiente para levar as autoridades a adotar medidas saneadoras adequadas, como mostrou o
artigo de Ulisses Capozzoli publicado neste
Observatório, sobre a
omissão dos governantes de São Paulo nas últimas décadas na questão do esgotamento das reservas de água na capital do estado. A ausência de um jornalismo propositivo acabou gerando uma situação que pode levar a uma crise social de consequências imprevisíveis na maior cidade do país, onde mais de seis milhões de pessoas estão na iminência de ficar sem água. É mais um grave problema a complicar a vida dos paulistanos, que já estão
à beira de um estresse coletivo por conta de deficiências crônicas no transporte público, na mobilidade urbana e na segurança pessoal. Quando a situação chega a um ponto crítico, como em São Paulo, a população parte, por conta própria, para a busca de soluções alternativas, o que só é possível com um suprimento extra de informações . Se a imprensa não quer perder clientes, ela terá inevitavelmente que mudar a sua agenda para
dar ênfase à busca de soluções. Noutras palavras, sair do distanciamento e envolver-se na resolução dos problemas em foco. Esta opção foi feita em 2013 por um grupo de jornalistas norte-americanos que fundaram a
Solutions Journalism Network, uma iniciativa cuja preocupação central é buscar soluções para problemas, principalmente os das grandes cidades. Em pouco menos de dois anos, a rede já deu assistência a cerca de 30 redações de jornais, revistas, rádios e televisões dos Estados Unidos. Qualificada inicialmente como um projeto romântico,
o chamado SoJo (Solutions Journalism - jornalismo de soluções) passou a ser considerado uma proposta séria, embora ainda enfrente algumas resistências na grande imprensa norte-americana. Nossa imprensa a todo instante publica matérias denunciando a degradação do sistema escolar, prédios caindo os pedaços, professores mal pagos e equipamentos destruídos. Mas raramente sai alguma reportagem mostrando como resolver esses problemas. Essa estratégia editorial induz as pessoas a cobrar sempre soluções do governo, que em geral reage com promessas futuras ou ações que não envolvem participação popular.
A segurança pública é um exemplo típico das questões abordadas pela
Solution Journalism Newtwork nos Estados Unidos e que também está no alto da agenda dos brasileiros. Com o aumento da insegurança urbana nas grandes cidades brasileiras, todo mundo cobra proteção policial, ignorando o fato de que
é impossível deslocar um policial militar para cada esquina, em caráter permanente. Mas, apesar disso, sempre que ocorrem roubos ou assaltos os telejornais rotineiramente entrevistam pessoas pedindo mais presença da polícia e comandantes da PM respondem que estão prendendo cada vez mais delinquentes e que as solicitações serão atendidas. É um grande faz de conta porque mais prisões não significam mais segurança e nem a proteção permanente é minimamente realista. Outro problema insolúvel na lógica atual do jornalismo tipo "boca no trombone" é o da
crise nas polícias militares. A frequência com que PMs são mencionados em casos de violação da lei que deveriam defender começa a assustar a população e a aumentar o descrédito na instituição. A imprensa se limita a registrar as arbitrariedades policiais e a esperar silenciosamente que as autoridades tomem atitudes. O número de expulsões de soldados/delinquentes aumentou, mas ninguém fala nas mudanças estruturais necessárias para que as causas dos desvios de conduta sejam combatidas. O problema é que medidas para resolver a crise de confiabilidade na polícia deveriam ser tomadas por parlamentares, governantes ou pelos comandantes policiais. Acontece que os parlamentares se omitem para evitar problemas com uma corporação que tem o poder da força e da intimidação. Os governantes seguem o mesmo roteiro,
cedendo às pressões do lobby policial, enquanto os comandantes movidos pelo corporativismo se refugiam em medidas burocráticas para evitar confrontações na caserna. Resultado: a população só tem a imprensa como recurso para buscar reduzir os desmandos e corrupção dentro das polícias estaduais e municipais. E os nossos jornais, revistas, telejornais teimam em não sair da
zona de conforto da mera descrição dos escândalos e arbitrariedades. A
Solutions Journalism Network acaba de publicar um
manual de 48 páginas destinado a mostrar que o envolvimento na busca de solução para problemas sociais não é sinônimo de proselitismo e nem de defesa de interesses pessoais de repórteres e editores. Além disso, o documento fornece indicações sobre como os jornais, revistas, programas radiofônicos, telejornais e páginas noticiosas na Web podem envolver-se na solução de problemas das comunidades onde estão instalados. Vale a pena examinar
os 10 pontos que identificam o jornalismo de soluções e como ele pode ser materializado numa reportagem ou notícia.
O artigo foi publicado originalmente no site Observatório da Imprensa.
Jornalismo de soluções
Por Carlos Castilho Propor soluções para problemas públicos num jornal, revista, rádio ou telejornal sempre foi uma iniciativa arriscada e, muitas vezes, frustrada pelo fato de …
29/01/2015 16:20