Mãe de negro

Por João Fernando Júnior, para Coletiva.net

Sou daqueles que choro quando vejo um "irmão" - pessoa negra - em destaque na sociedade. Apesar de ser duro na queda e, por muitas vezes, não demonstrar sentimento, de fato, uma cena como essas me emociona. Me refiro a isso pois sempre ouvi da minha mãe que, como uma pessoa de cor de pele escura, seria necessário me doar muito mais do que qualquer branco. E, com certeza, sempre tive que me empenhar mais do que qualquer indivíduo que de alguma forma disputava um espaço comigo, se é que me entendem. 

A vida dos negros não é nada fácil, desde pequeno somos alertados aos riscos e às dificuldades. E isso não é vitimismo ou a palavra que gostam de usar, o tal do "mimimi" que, por favor, não serve para uma discussão séria. É normal, trata-se de uma defesa que os pais têm em relação à vida, como qualquer outra preocupação, mas neste caso, é de um filho negro. "Filho, onde tu vai?", "Está levando a carteira de identidade?", "Decorou o número do CPF e do RG?" e tantas outras que daria para escrever um livro.    

O "não te mixa para eles" talvez seja a frase que mais ouvi na vida. Era realmente confortável escutar isso da minha mãe quando algo mais sério acontecia, pois a sensação que se tinha era que existiam aqueles obstáculos alertados por ela. E, de fato, amadurecendo, consegui entender o que era o racismo estrutural e o envenenamento que ele é capaz de promover, sobretudo na autoestima. Por mais que consigamos atingir um patamar superior, nunca será o suficiente. E sabe o que mais dói? É que isso é verdade. 

A sociedade não está preparada para sequer procurar entender a história dos negros, imagina aceitar um. Vejo a vida nos dividindo entre brancos e negros, é como se os negros tivessem banheiros separados: "Vocês entram nesta porta, e vocês, negros, nessa". E isso é real, esta separação ocorreu nos Estados Unidos após a soltura dos escravos, onde os brancos não queriam dividir os mesmos espaços. Engraçado que me sinto exatamente assim. 

Foi recente que estava olhando um programa da Jovem Pan no Youtube e uma bancada composta por oito pessoas brancas estavam discutindo o racismo no Brasil. Sim, é sério! Nenhuma pessoa negra estava ali para se defender de absurdos ditos naquele espaço, como: "A culpa da escrividão é dos próprios negros", "As cotas raciais não são um preconceito ainda maior?". Para quem tiver estômago forte, deixarei o link aqui

É revoltante. Ainda somos diferentes, ainda somos piadas, ainda somos incapazes, ainda somos marginais, ainda somos o "neguinho e a "neguinha", ainda somos "mimizentos" (pavor desta palavra), ainda somos os esparrentos, ainda somos os sujos, ainda somos a tigrada e ainda somos?

Trago aqui não só este desabafo, mas também o orgulho que tenho da minha cor. O Coletiva.net me proporcionou escrever um especial nesta Semana da Consciência Negra, a partir do qual conheci pessoas incríveis da academia, do empreendedorismo e referência em cargos de gestão em agências de Comunicação e no Jornalismo. É por isso que ainda não paro de lutar, de ser duro quando tenho que ser e de me emocionar que tenho de me emocionar. 

Isso tudo é para a minha gente, para a minha família e para os meus futuros herdeiros. Afinal de contas, sou o primeiro da minha família a conquistar o título de graduação (não pararemos por aí). Portanto, neste Dia da Consciência Negra, que completa 50 anos neste sábado, 20, vamos refletir, somente refletir? Se quando pequeno eu não entendia todas as preocupações que a minha mãe tinha, amadurecido, tenho a oportunidade de dizer: sim, mãe, tu estavas certa. A vida é realmente dura e injusta. Mas não vamos nos mixar para eles!  

João Fernando Júnior é jornalista, repórter em Coletiva.net e sócio-fundador da Sapien Digital. 

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