O alto preço dos passaralhos
Por Ricardo Azeredo, para Coletiva.net
É assunto batido nas conversas de jornalistas calejados: a "juvenilização" das redações, com os novatos ganhando mais espaço e os experientes sendo dispensados a rodo, apesar de suas brilhantes trajetórias.
Papo surrado de veteranos ressentidos? Antes fosse.
A renovação das redações é tão inevitável quanto necessária. Afinal, todo mundo tem que começar. Além do ímpeto da juventude, a gurizada nova areja o ambiente com a cultura do seu tempo.
Os jovens sempre foram bem-vindos. Harmonizando o perfil das gerações nas redações, todos evoluíam, com ótimos resultados.
Mas hoje vemos o implacável descarte de um patrimônio inestimável: a cultura jornalística resultante de décadas de trabalho.
Este tesouro se esvai com o expurgo dos veteranos, baseado na premissa de que os jovens lidam melhor com o mundo dos algoritmos e suas vertiginosas transformações. Também seriam menos resistentes a suar em várias plataformas com salários menores.
Sem os veteranos por perto, os jovens perdem valiosas referências para a sua formação no calor da batalha: a escola dos cascudos que inspiram e orientam os novos nas abordagens, na lida com as fontes certas, no olhar além da superfície, no senso crítico, etc.
Isso não tem preço.
E mais: nesse processo muita gente com pouca experiência de profissão (e de vida) assume postos que exigem decisões críticas antes tomadas por profissionais tarimbados. Um grande risco para o veículo, pelas consequências no mercado de erros de comando e risco muito maior para inocentes que podem ser fuzilados publicamente por abordagens jornalísticas desastradas.
Não é retórica sindical rançosa nem corporativismo arcaico. É fato.
Mesmo que sejam inevitáveis os modernosos modelos "inovadores" de gestão e seus anglicismos tipo "downsizing" e neologismos safados como "descontinuar", jamais se viu tamanho desdém pela qualificação, história e conquistas profissionais.
E pior: o desprezo com os efeitos disso tudo na qualidade da informação que é levada à sociedade.
Não se pode culpar a imprescindível tecnologia. Equivaleria a condenar a arma e não quem a usa.
A questão é que os veículos devotam uma idolatria de crente às benesses econômicas da instantaneidade na web e da expectativa de custo zero no acesso, produção e disseminação da informação.
E a essência da cultura jornalística vai sendo soterrada por uma visão imediatista, onde o apego à apuração detalhada e profunda, a capacidade intelectual e experiência deixam de ser valores básicos do bom jornalista para serem considerados um problema de "perfil" que se resolve com substituições mais baratas e "produtivas".
Não é fenômeno exclusivo dos brasileiros. Mas justamente nestes tempos em que precisamos nos reconstruir e colocar o Brasil no rumo das nações evoluídas, vamos na contramão dos países que valorizam a qualidade da imprensa como fator fundamental para a solidez da sociedade e da própria democracia.
Vamos pagar muito caro por isso.
Ricardo Azeredo é jornalista.