O fim do pinga-pinga

Por Rafael Codonho, para Coletiva.net

Quem nunca teve a sensação de voltar para casa frustrado após um dia interminável de reuniões, uma após a outra? É como se fôssemos um daqueles ônibus pinga-pinga, que cruzam o interior: as interrupções são tantas que parecemos não chegar a lugar algum. Enquanto isso, acumulam-se ligações - e, de tanta mensagem chegando ao WhatsApp, fica a impressão de que alguma guerra mundial acaba de ser declarada. Será? 

Embora um pouco exagerada, essa comparação não deixa de conter certa dose de verdade. Assim como existem opções mais rápidas e diretas para ir de uma cidade a outra, temos como agregar resolutividade à rotina de trabalho. E não perdemos nada com isso. 

Estes tempos de isolamento social forçado estão acelerando mudanças e exigindo, na marra, um amadurecimento de empresas e profissionais. É verdade: muitos estão como baratas tontas, sem saber o que e como fazer remotamente. Perdem, assim, o bonde da história, desperdiçando uma oportunidade valiosa de evoluir e se adaptar ao novo cenário - e ao que vem pela frente. Ficarão para trás, agora ou em breve. 

Na prática, o regime de home office está provando que as reuniões por videoconferência podem ser tão boas quanto as convencionais. É mais um tabu que, tardiamente, se quebra no mundo corporativo. A falta de opção, muitas vezes, nos faz enxergar o que é óbvio. Sobretudo no Rio Grande do Sul, persistia a avaliação primitiva de um que um encontro pelo Google Hangouts não era a mesma coisa do que o presencial. A teimosia estava incrustada. "Não, esse tipo de assunto é estratégico demais para isso", ouvia-se lá e cá. Novamente, São Paulo já havia assimilado bem mais as novas possibilidades; e o resto do mundo, nem se fale.  

Quantas reuniões a mais conseguimos fazer dessa forma? Quanto mais conseguimos produzir sem necessidade de deslocamento e se estender no small talk? Acabamos, ainda, com os atrasos em razão da imprevisibilidade do trânsito. E, com otimização da agenda, ganhamos tempo para pensar soluções e focar nas entregas. No plano racional, não existe nada melhor. Faço uma ressalva apenas: a proximidade física tem suas vantagens. Algumas pessoas, realmente, carecem desse contato para estabelecer confiança e empatia - ainda mais num início de relacionamento. E, de tempos em tempos, faz bem se rever.

Para que tudo funcione bem, a empresa precisa ter uma cultura consolidada, com seus valores incorporados pelos profissionais. Além disso, contar com métodos e processos bem definidos - ou o amadorismo vai descambar, e as videoconferências serão absolutamente inúteis. Na verdade, o que faz um encontro ser produtivo não é o elemento presencial, mas a qualidade humana, a organização prévia, a delimitação de pauta e o foco em resolver os problemas. Sem divagações inócuas e com tempo para iniciar e acabar. Que este isolamento nos reforce uma lição: um call não é uma reunião de segunda categoria. 

Rafael Codonho é jornalista e sócio-diretor da Critério - Resultado em Opinião Pública.

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