O que só nós podemos contar

De Antônio Brocker Junqueira, para o Coletiva.net

Era uma vez uma sociedade que, sem compreender os limites da inteligência artificial, acabou por ficar paralisada, inerte. As máquinas tomaram conta e o tempo livre que pensávamos ter pela automação de nossas atividades se transformou em pesadas horas de ociosidade. Ninguém sabe mais o que realmente faz. Onde está sua verdadeira criação? O que só você é capaz de criar? Deu-se fim ao mundo como conhecemos. Aboliram-se pensadores, intelectuais, filósofos, escritores, artistas e, acima de tudo, pessoas. Agora tudo que existe são Homos e o restante ainda vamos descobrir. Sapiens já não somos mais.

Ninguém quer ver essa realidade acontecer. Mas, apesar de assustadora e aparentemente distante, ela pode ser o resultado de nossa própria falta de criatividade. Sim, a culpa não será das IAs. Será nossa, por não compreendermos o que verdadeiramente somos capazes de fazer. Entre tantas pesquisas e discussões sobre tendências e comportamento, a inteligência artificial surge como protagonista. Ela já está integrada às nossas rotinas e, ao que tudo indica, será cada vez mais presente. Mas, em meio a essa revolução, há algo que permanece como um sussurro despercebido: o poder das histórias.

O mundo é feito de histórias. A Bíblia é uma história. Os grandes líderes mundiais são histórias. As culturas são histórias. As religiões, as marcas, tudo são histórias. Você não conheceu Jesus, não jantou com sua tataravó, não viveu na época das Guerras, não esteve presente no surgimento das Pirâmides, não conviveu com seus pais na infância, nem foi ao País das Maravilhas com Alice. Nunca andou no trenó com Papai Noel, tampouco viu coelhos da Páscoa escondendo ovos. E, ainda assim, tudo isso faz parte de quem você é. 

Quando entendemos isso, percebemos que tudo o que vivemos e nossa organização social são fruto de histórias contadas e recontadas por nós mesmos. Sem elas, nossas conexões interpessoais seriam frágeis ou, quem sabe, nem existiriam como conhecemos.

Durante muito tempo, procurei aquilo que fosse mais incrível e único no que fazíamos no nosso estúdio criativo multidisciplinar, a A27. Foi nessa busca, analisando projetos, ouvindo clientes e refletindo sobre nosso trabalho, que percebi algo essencial: tudo o que criamos em marcas e comunicação se resume a histórias bem contadas. Histórias que conectam, impactam pessoas e amplificam negócios. Por mais impecável que seja o visual ou tecnicamente perfeito o planejamento, nada se compara ao efeito transformador de uma boa narrativa.

Me dei conta disso nos últimos meses, ao perceber que muitos clientes que já haviam feito trabalhos conosco voltavam com novos projetos dizendo: "vocês conseguem contar melhor essa história".

Portanto, em meio a essa discussão imensa sobre inteligência artificial, em que nos dividimos entre os tecnológicos revolucionários e os guardiões do passado, há algo que só nós somos capazes de fazer: usar nossa criatividade para contar histórias. Segundo pesquisas, elas são até 22 vezes mais memoráveis do que simples informações. E, por mais que as IAs se aprimorem a cada dia, há algo que jamais poderão replicar: o toque humano.

A capacidade de entrelaçar experiências reais, originalidade, espontaneidade e personalidade em uma narrativa é exclusivamente nossa. Seja em um texto, um conto, um poema, um filme, um pitch ou até mesmo em uma conversa de bar, somos nós, Homo Sapiens, os únicos capazes de viver, sentir e contar. Abracemos esse talento profundo que habita cada um de nós. E gritemos ao mundo o que queremos dizer.

Antônio Brocker Junqueira é diretor de Criação da A27.

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