Ocupar os espaços é honrar nossa ancestralidade

Por Luana Fernandes, para Coletiva.net

Luana Fernandes - Crédito: Arquivo pessoal

Um dia desses, rolando o feed, vi um conteúdo que me chamou atenção, o título era "Como fica a saúde mental do negro que ocupa espaços majoritariamente brancos?", você pode ver aqui. E me identifiquei de cara porque lembrei o quanto estive e ainda vou a lugares onde eu sou a única pessoa negra. Na minha infância e adolescência eu fui muito embranquecida (sou uma mulher negra de pele clara e olhos verdes), em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul, onde o domínio público de poder sempre foi da branquitude. Então, assuntos como racismo e negritude em geral não chegavam até mim, nem em casa e nem na Escola. Eu convivi muito com a metade da minha família negra, eu me percebia naquele espaço, eu entendia o ser negro, mas eu não pensava muito sobre isso, não conversávamos ou tínhamos uma educação sobre negritude e afro ancestralidade.

Hoje, reconheço meus privilégios, pelo fato de ter uma família esclarecida que me proporcionou uma ótima educação, pela minha pele não ser retinta, meus cabelos longos (que eu enchia de creme nos anos 2000, para ele não ficar volumoso) e meus olhos claros. Em um Brasil onde pretos e pardos têm 2,6 vezes mais chances de serem assassinados, eu até estava segura atrás da minha carcaça. Quando cheguei na Faculdade de Comunicação, o baque: "Cadê as pessoas negras daqui?". Elas estavam lá sim, servindo ou limpando. Saindo da minha bolha familiar, percebi que 50% branco e 50% preto era só nos almoços de domingo lá em casa. 

Esse sentimento de ser a única pessoa negra me seguiu por muitos lugares: Universidade, restaurantes, no bairro que morei em Porto Alegre, nas festinhas do centro e obviamente no trabalho. Sou cantora e compositora, e também redatora publicitária em uma agência do Sul. Ocupando esse espaço dentro da área da Comunicação, reparei que fazia parte de uma minoria preta, nunca foi um espaço múltiplo e diverso. E veja bem, quando uma empresa conta com 60 profissionais, por exemplo, e apenas cinco são negros, isso não é diversidade - está bem longe de ser.

Com as políticas públicas de reparação histórica como as cotas, pudemos ver um aumento significativo de pessoas negras ocupando as Universidades do Brasil. Segundo dados do site Quero Bolsa, o número de alunos negros no ensino superior cresceu quase 400%, entre 2010 e 2019, chegando a 38,15% do total de matriculados. Com esse avanço conseguimos perceber também o aumento desses profissionais dentro do mercado de trabalho. Hoje, me sinto muito feliz em poder participar do Sankofa - Núcleo de Pessoas Pretas dentro da agência em que atuo. Esse movimento é inédito para mim, porque apesar de estarmos longe de uma equidade, estamos buscando por melhores oportunidades, para nós e para os nossos. Ainda queremos ver mais pessoas pretas em cargos de maior liderança, esse é o caminho que estamos trilhando, para que o mercado naturalize corpos pretos em posições de poder. Não me sinto mais só no meu espaço de trabalho, e busco transformar de alguma forma o que está ao meu alcance, eu faço um pouquinho aqui e você faz um pouquinho aí. Ocupar espaços majoritariamente brancos é nosso direito, direito que foi negado aos nossos ancestrais. Vamos juntos e um puxa o outro. Sankofa! 

Luana Fernandes é cantora, compositora, poeta, produtora cultural e redatora publicitária

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