Pandoro-Gate: quatro lições sobre gestão de crise de imagem a partir do caso Chiara Ferragni e Balocco

Por Sâmela Lauz, para Coletiva.net

Sâmela Luz - Crédito: Arquivo pessoal

Nas últimas semanas, o noticiário italiano foi tomado pelos desdobramentos de uma denúncia de fraude contra a mega-influenciadora Chiara Ferragni e a empresa Balocco, que lançaram, em parceria, a campanha "Pink Christmas", com foco nas vendas do pandoro da marca. A ação tinha como mote a destinação de parte do valor das vendas para o Hospital Regina Margherita de Turim, para o cuidado terapêutico de crianças afetadas por Osteossarcoma e Sarcoma de Ewing - mas, ao que parece, o valor a ser doado à instituição já havia sido destinado muito antes do início da campanha.

Não vou entrar no mérito judicial do caso, mas em resumo, a Balocco alega que apesar de ter uma frase estampada nas embalagens do produto, não havia sugestão de que a arrecadação dos recursos para a doação estava vinculada ao pandoro - colocado à venda por um preço duas vezes e meia acima do Pandoro Balocco tradicional. Segundo o Ministério Público de Milão, aos olhos do consumidor, houve motivos para crer que uma contribuição para a referida doação estava sim incluída no preço mais elevado. Mas o foco aqui é abordar os efeitos na marca pessoal de Chiara Ferragni, que perdeu mais de 94 mil seguidores e cerca de um milhão de euros, além da suspensão do contrato de publicidade com a Coca Cola desde que a polêmica veio à tona.

Com caridade não se brinca e Chiara está entendendo isso às suas próprias custas. Quando estourou o escândalo, ela ficou na defensiva, publicando alguns stories em que negava o ocorrido e anunciava a intenção de contestar a decisão do Antitruste de multá-la por prática comercial desleal. Isso gerou uma reação negativa por parte de seu público. Depois, ao ver suas postagens assediadas por comentários de fãs furiosos e o número de seguidores no Instagram diminuindo dia após dia, ela decidiu se afastar por um tempo das redes sociais.

O primeiro período de silêncio durou pouco menos de uma semana e foi interrompido por um vídeo de desculpas que viralizou imediatamente. Na imagem ela aparece com um semblante destruído, admite ter cometido um erro de comunicação e promete fazer uma doação de um milhão de euros ao Hospital - o mesmo valor que teria ganho na co-branding com a Balocco. O vídeo, porém, não surtiu o efeito desejado: ela continuou perdendo seguidores e recebendo críticas, pois as desculpas pareciam muito ponderadas. Começou então o segundo silêncio social. Chiara Ferragni desapareceu do Instagram por mais de duas semanas, nem mesmo aparecendo no perfil do marido Fedez, que no período publicou várias histórias e posts das férias de Natal passadas na nova casa do casal.

Neste ponto, parece que Chiara decidiu contratar uma agência de comunicação para sair da tempestade em que se encontra. Além disso, uma força-tarefa formada por advogados de dois escritórios diferentes foi montada para defendê-la e conter os danos. O silêncio de Chiara durou até 3 de janeiro, quando, provavelmente recomendada pelos especialistas que contratou, decidiu voltar às redes sociais, primeiro "testando as águas" com uma caixa de perguntas nos stories, na qual perguntava aos fãs como estavam, depois dedicando algumas palavras a quem esteve próximo dela nestes dias difíceis.

Aqui, percebo o primeiro ponto de uma possível virada estratégica, principalmente porque, ao publicar apenas stories, Chiara e sua equipe são os únicos que têm acesso aos comentários e podem utilizá-los para estudar a extensão dos danos e saber como proceder. Uma atitude aparentemente sensata, já que ela acabou no centro da tempestade justamente por não ter sido transparente logo no início da polêmica.  

E aqui me debruço sobre o que me fez analisar o caso: como especialista em Marketing e Branding e tendo atuado em dezenas de crises de imagem, de empresas e personalidades públicas, logo que vi as primeiras manifestações da influenciadora após a divulgação da denúncia, me coloquei no lugar da equipe que a acompanha e pensei em quais seriam as estratégias mais adequadas a seguir. Decidi compartilhar, pois são ações que servem para qualquer situação de crise de imagem.

Quatro ações para conter os danos de uma crise de imagem

  1.     Conte com profissionais do setor

Um dos maiores erros de Chiara Ferragni foi ter optado por confiar o cuidado da sua imagem a amigos e pessoas próximas, e não a uma equipe de profissionais da área. Depois de semanas de críticas e comentários negativos, parece que ela percebeu isso e realmente contratou uma agência de comunicação, distanciando-se, pelo menos aparentemente, do amigo e colaborador Fabio Maria Damato para administrar a situação.

  1.     Refine sua estratégia para refletir seu posicionamento

Chiara Ferragni é a influenciadora italiana mais seguida no mundo, portanto é impossível pensar que conseguiria esconder qualquer coisa debaixo do tapete e esperar que todos os esquecessem. Até porque esses "todos" são quase 30 milhões de seguidores no Instagram. Por isso, ela deve, agora, atualizar e refinar a sua estratégia para que reflita o posicionamento que uma marca pessoal do seu calibre alcançou naturalmente.

  1.     Não deixe de se comunicar com o público

Os "sumiços" do Instagram, somados a aparições sem estratégia, justo no ápice da polêmica, só agravaram a situação. Porém, é muito importante que o influenciador retorne em tempo integral às redes sociais, esclarecendo o assunto sem parecer ter medo de críticas, não se escondendo mais e não esperando que o público esqueça o que aconteceu, pois é altamente improvável que isso aconteça. Não abordar o problema poderá ter repercussões muito graves na sua carreira no futuro. O trabalho de Chiara Ferragni, de fato, está nas redes sociais e para continuar fazendo isso ela precisa encontrar coragem para voltar se quiser continuar.

  1.     Reconstrua a confiança

Chiara Ferragni não tem escolha senão começar imediatamente a reconstruir sua reputação. E o trabalho não é raso, é preciso recomeçar em tudo: sua imagem, sua reputação, sua marca e, principalmente, a confiança de seus fãs. Sem a confiança de seus seguidores, é muito difícil para Chiara conseguir vender algo para alguém. Somado ao escândalo Balocco existe ainda um problema com os pedidos da Black Friday encontrados pelos clientes de sua loja online. Na verdade, muitos disseram nas redes sociais que encomendaram presentes de Natal que nunca chegaram. Durante as férias, viralizou o vídeo publicado no TikTok por dois amigos que deveriam trocar presentes assinados por Chiara Ferragni, mas, não tendo recebido nada, fingiram trocar pacotes imaginários. O escândalo Pandoro-Gate, no entanto, traiu grande parte do público de Chiara Ferragni e, por isso, poderão ser necessários muitos anos de ações contínuas e estratégicas, para, com muito esforço, reparar os danos à sua imagem.

"Chi di spada ferisce, di spada perisce" é um conhecido ditado italiano que me veio à memória enquanto escrevia o artigo, porque a imagem é uma faca de dois gumes: quem ataca com imagem, da imagem perece. Quem decide se expor e vender através da sua marca pessoal, deve estar preparado para lidar com escândalos e eu diria que em tempos de redes sociais, em que cada segundo conta na viralização de conteúdos, toda e qualquer ação sem estratégia é um passo gigante rumo à perda total da reputação perante o público. 

Sâmela Lauz é jornalista e pós-graduanda em Marketing, Branding e Growth, especializada em gestão de crises de imagem ([email protected])

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