Pão, poesia e pandemia

Por Simone Ávila, para Coletiva.net

Juro! Quero acreditar que sairemos melhores desta pandemia. Quero acreditar na capacidade do ser humano de se reinventar, aprender com os próprios erros, exercitar a empatia, ressignificar algumas coisas e, por fim, evoluir. Tenho vários exemplos de pessoas solidárias e dispostas a tirar o melhor deste cenário de incertezas e tão árido de esperanças. Mas seria hipocrisia da minha parte olhar somente para este lado da realidade. Estamos todos, em um nível ou outro, lutando pela sobrevivência, seja de nossos luxos ou de nosso pão na mesa. E é nessa batalha travada todos os dias que a gente percebe quando se separa o joio do trigo.

Nesta luta pelo sustento se distingue aqueles que se preocupam com gente e quem só olha para o próprio umbigo. Precisamos ficar afastados para nos proteger e proteger os outros. A individualidade é o que representa o coletivo, a ordem se inverteu. É um paradoxo, nosso grande enigma contemporâneo hoje.  Ah....mas, sempre foi assim. Uma pandemia destas proporções revela mais do que o caráter, descortina a alma das pessoas. Fica tudo à flor da pele. E não existe disfarce para isto, nem máscaras. É o outro passando fome e doente na sua frente e você preocupado em continuar a consumir um bom vinho. Nada contra ao consumo de vinhos, mas você já percebeu que a situação não exige comemorações e ignora. Aliás, ignorar é uma forma de negação, de não se "envolver" e continuar pensando só em você.

Uma vizinha que compra um estoque para o ano inteiro no supermercado, um amigo que desaparece e nem pergunta por whats como você está, uma ameaça velada no trabalho, a competição feroz de um colega por seu espaço, são apenas alguns exemplos do "lado B" que esta pandemia desperta. É preciso falar também disso. Ações solidárias, doações, correntes do bem lembram que ainda somos humanos. Mas, qual ser nos habita quando só pensamos em nós? Quando ignoramos o outro porque estamos nesta corrida louca pela sobrevivência? E aí temos menos tempo ainda do que tínhamos antes. Menos tempo para perceber o outro, que pode estar com dificuldades e limitações diferentes das nossas em meio ao caos. E se, por acaso, percebemos, não temos tempo. Estamos cuidando de nós e dos nossos. 

Em que momento esquecemos que somos todos feitos da mesma matéria? Esta pandemia nos joga na cara isso todos os dias! Sim, vamos reformular nossos negócios, mudar a forma como trabalhamos, adquirir novos hábitos, mas será que só chegaremos a mudar na superfície das coisas? 

Prefiro acreditar que daremos um mergulho mais profundo, que nos permita ver para além de nós mesmos e de nossas necessidades imediatas. Não viveremos só de poesia, mas que a nossa luta seja por um lugar ao sol para todos e isso não é utopia. Com uma economia respirando a plenos pulmões, com saúde e educação de qualidade. E, sim, com muita poesia recheando tudo isso, que é para a gente continuar acreditando que pode ser melhor.

Simone Ávila é jornalista.

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