Plano de choro

De Gabriel Lima Araujo, para o Coletiva.net

Gabriel Lima Araujo é gerente de Comunicação na Moglia - Crédito: Arquivo Pessoal

Frase destaque para chamada do Instagram:  "A vida, cedo ou tarde, reconhece os que melhor agem nas situações que necessitam o abandono do script idealizado"

"Ela vai precisar da minha ajuda para chorar". Essa frase reiteradamente vem à lembrança desde o momento em que foi pronunciada pela médica pediatra que esteve no nascimento da Betina, primeira filha do meu casamento, mais precisamente às 11h56min do recente 10 de junho. Após aproximadamente sete horas de trabalho em um surpreendente parto normal sem indução na 36ª semana de gestação, a menina foi colocada junto aos pais sem o grito de desespero do qual manda o figurino da obstetrícia e da pediatria neonatologista. No instante da percepção de que havia algo de errado, tal frase foi dita, e o cordão umbilical cortado.

Apenas o pai da criança poderia ver o procedimento médico seguinte. Se é que dá para chamar de ver quando, em meio a ele, a opção foi por cerrar os olhos e clamar a entidades divinas que pudessem ajudar, dividindo a confiança entre a ciência e a fé nos minutos de agonia que, sob a ótica de quem não sentiu as dores físicas, demoraram mais do que as horas de contrações.

A partir da descoberta da gravidez, o tempo lá de casa deixou de ser contado por minutos, horas ou dias. A referência cronológica passou a ser semanas. Durante esse período, dentre as boas decisões que minha esposa e eu tomamos em conjunto, esteve a de realizar a visita guiada no centro obstétrico (CO) escolhido. Por acaso, nosso horário estava agendado no fim de semana em que se fez necessário aplicar uma medicação preventiva com monitoramento, devido ao risco de prematuridade.

Imersos naquele ambiente e nos sentindo próximos da equipe que ajudaria nossa filha a nascer, pudemos conhecer cada etapa da internação de baixa para se dar à luz. A apresentação do complexo, provavelmente roteirizada, deixou para o final as explicações sobre os espaços mais sensíveis: a UTI neonatal e a salinha da pesagem e mensuração, onde também ocorrem as tentativas de reanimações. Deixei escapar um "não posso nem imaginar" e pedi aos guias espirituais mais íntimos para que não passássemos por nenhuma das situações. Quiseram eles que vivêssemos ambas.

Outra boa decisão foi tomada pela minha esposa durante o pré-natal e após essa primeira estada no hospital: a de não escrever plano de parto. Ela se sentia segura de que a equipe médica faria o que tivesse que ser feito para o melhor de mãe e de filha conforme o andamento da situação. E a vontade da gestante, exposta oralmente, seria providenciada no decorrer do atendimento. Chegamos no plantão na madrugada daquela terça-feira ainda sem saber se ficaríamos. O CO estava lotado. A mudança de fase da lua se aproximava e, dizem, os astros interferem para um maior número de nascimentos nestes dias. De tudo o que nos foi apresentado na visita, a reta final do protocolo foi a que se confirmou - inclusive os dois locais mais temíveis. Qualquer documento entregue naquela hora seria risível e enfadonho, pelo simples fato de exigir leitura atenta com caprichos dos pais em uma situação na qual cada segundo conta, como de praxe da rotina hospitalar.

Desde o nosso primeiro momento a três, já superamos pequenas frustrações e vivemos testes de paciência, resiliência e resignação. O nascimento, exitoso com uma boa dose de drama, trouxe consigo quebras de paradigmas, reflexões e reforço de convicções. Entre elas a de que planejar o que independe apenas de si, seja qual for a esfera, até pode dar certo, mas carrega um risco muito maior de ser mera perda de tempo e puro desgaste emocional.

Betina já chegou ao mundo lutando e vencendo. E meu desejo é o de que se mantenha no time dos que lutam e vencem, pertencente ao rol dos protagonistas que decidem os jogos mais importantes. Porque a vida, cedo ou tarde, reconhece os que melhor agem nas situações que necessitam o abandono do script idealizado - esses que prometem fazer chorar e de fato o fazem.

Quanto à paternidade, o plano é um só: muitos bons motivos para deixar as lágrimas caírem. Tenho convicção de que assim será. Mas não depende apenas de mim. Vou precisar de ajuda.

Gabriel Lima Araujo é gerente de Comunicação na Moglia.

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