Tenho 64 anos e mais de 40 de jornalismo
De Gilberto Jasper, para o Coletiva.net

Sou velho e ultrapassado.
Tenho 64 anos e mais de 40 de jornalismo. Sou velho, ultrapassado em muitos quesitos, teimoso e fanático pela profissão que abracei. Jornalisticamente nasci sob a batuta da incrível Núbia Silveira, nos tempos em que sobre a redação da Zero Hora pairava uma névoa de fumaça. Sim, petizes do jornalismo. Podia-se fumar, e não apenas cigarros, na redação e cercanias.
Tenho 64 anos e mais de 40 de jornalismo. Sou velho, ultrapassado. Aprendi com a Núbia a checar as informações com no mínimo duas fontes antes da publicação "Duvidem sempre, questionem, encham o saco do entrevistado, façam mil perguntas até ficarem satisfeitos", ensinava a mestre, generosa em ensinamentos e lágrimas, derramadas sempre que uma matéria era "derrubada" pelo andar de cima.
Tenho 64 anos e mais de 40 de jornalismo. Sou velho, ultrapassado. Sou do tempo em que para dar opinião sem qualquer veículo era preciso cumprir uma trajetória diferenciada. Comentaristas e colunistas ocupam o olimpo da redação. Seus escritos, não raras vezes, eram recortados e emoldurados para inspirar.
Tenho 64 anos e mais de 40 de jornalismo. Sou velho, ultrapassado. Sofro com o "jornalismo-entretenimento", este das "risadas de boteco" ao microfone e das enquetes usadas maliciosamente para destruir pessoas sem dar chances de defesa e para o "cancelamento" que - sim! - também acontece na "grande mídia". Hoje, até o motorista da unidade móvel (é assim que ainda se chama o "veículo da empresa"?) dá pitacos ao vivo.
Tenho 64 anos e mais de 40 de jornalismo. Sou velho, ultrapassado. Do tempo em que no boletim do trânsito não cabiam brincadeiras sem talento e arroubos de "sabedoria do Google". Sim, costumo usar a expressão "no meu tempo", época em que havia muitas coisas erradas nas redações. Como aqueles repórteres/editores "chapa branca" que ocupavam empregos paralelos (e públicos) e influenciavam na linha editorial.
Tenho 64 anos e mais de 40 de jornalismo. Sou velho, ultrapassado. Do tempo em que, à exceção da produção de comentaristas e colunistas, todos os conteúdos tinham que ter ponto E contraponto. O julgamento era prerrogativa do leitor/ouvinte/telespectador. Afinal de contas, eles têm neurônios, cérebro e direito à opinião.
Tenho 64 anos e mais de 40 de jornalismo. Sou velho, ultrapassado. Na minha época de redação havia, sim, influência financeira na linha editorial. Mas era muito diferente de hoje, onde grandes canais/redes, de abrangência nacional, "têm lado" descarado e pautam a cobertura com um olho na realidade e outro no balanço financeiro ao final de mês.
Tenho 64 anos e mais de 40 de jornalismo. Sou velho, ultrapassado. Por isso sofro ao ver ídolos da minha época de Unisinos servindo de cabos eleitorais em rede nacional - à direita e esquerda -, rasgando biografias e vendendo-se ideologicamente para agradar o patrão. Perdi a conta dos recortes amarelados que joguei no lixo nos últimos anos. Eram recordações de outrora ídolos, jornalistas sérios, isentos, imparciais e comprometidos apenas em oferecer um produto de qualidade insuspeita para o público que, no final das contas, paga seus boletos.
Tenho 64 anos e mais de 40 de jornalismo. Sou velho, ultrapassado. Mas desde sempre, nós, jornalistas, somos arrogantes para fazer mea-culpa, admitir falhas - profissionais e de caráter - e cobrar de nossas "entidades representativas" distância da política partidária. Afinal, somos seres iluminados, autossuficientes. As correções publicadas são raridade. Destruir biografias é mero passatempo. Condenação de colegas jamais será vista ou lida em qualquer lugar. O corporativismo ofusca, corrompe valores e não sabemos porque o público não confia em nós.
Tenho 64 anos e mais de 40 de jornalismo. Sou velho, ultrapassado. E acho que está na hora de ir pra casa. Cuidar do cachorro ou de gatos, jogar bingo, participar de clubes da terceira idade e fazer ginástica com outros velhos. O estômago anda sensível, por isso, evito ler e ouvir muitos colegas e veículos. Saúde e qualidade de vida atualmente não combinam com "jornalismo".
Jornalista/[email protected]
Gilberto Jasper é jornalista.