Vai por mim: nada mudou para a boa propaganda.

Por Fernando Garros, para Coletiva.net

Não tenho medo do futuro ou de mudanças. Sou fruto de uma geração que atravessou várias instabilidades econômicas, políticas e de comportamento e posso garantir pra você: na essência, pouca coisa muda na nossa vida, como seres humanos. Continuamos amando, continuamos rindo. Crianças nos fazem felizes, música nos dá prazer, histórias nos fazem chorar, viagens nos abrem horizontes, ler nos faz crescer. 

O mesmo sentimento venho percebendo a respeito do universo da comunicação e mais especificamente, da propaganda. Tenho ouvido, de dez anos para cá, muita conversa e debates acalorados a respeito das mudanças que nosso mercado vem enfrentando. Do fim da propaganda como a conhecemos, do colapso de uma era, do fechamento de grandes hubs criativos. Mas o que tenho visto é que quem tem que temer esse futuro é quem faz, pede e aprova propaganda ruim. Esse sim, está como seus dias contados. 

A maior prova disso é o que eu acabo de presenciar na 22ª edição do Festival de Publicidade Latino Americana Ojo de Iberoamerica, em Buenos Aires. E posso garantir pra você: nada mais está tão vivinho da Silva como a propaganda. Mas de que propaganda estamos falando?

Daquela que faz você não dar o skip. Daquela que aparece no seu WhatsApp da família, que sua tia compartilhou. Daquela que cria um produto para deficientes físicos para ser vendido em loja. Daquela que resolve um problema, e não um briefing. Ou seja, daquela que as pessoas falam, comentam, interagem, compartilham. 

Durante os três dias de festival, fui impactado por um sem-número de grandes ideias que usam como plataforma a tecnologia. Mas todas, sem exceção, têm os mesmos elementos: simples, emocionantes e contam uma verdade. 

Aliás, esta foi a tônica de um dos keynotes mais perturbadores que assisti, da agência La Comunidad, de Buenos Aires. Uma palestra questionando que tipo de publicidade estamos colocando na rua para as marcas, se não conseguimos virar assunto e perdemos em atenção, engajamento e sharing com vídeos de mamães com máscaras de Chewbacca? Que, por sinal, aumentou em 600% a venda da máscara e fez subir o preço de U$ 27 para U$ 48. Ou seja, nossas ideias não estão se conectando com as pessoas. 

Outra palestra que me impactou bastante foi o case de Sprite Argentina, Love Your Hater. Uma aula de ideia em prol de um bem comum por meio da tecnologia. Procure este case, está no YouTube, foi Cannes esse ano também. Vale a pena. Tinha briefing. Tinha problema de mercado. E foi muito além disso. Iniciou-se uma conversa e se transformou numa causa. Ou seja, problema + ideia + tecnologia + emoção.

Discussões acaloradas também acontecem hoje sobre o modelo de negócio, mais especificamente sobre a rentabilidade das agências. É evidente que não é possível contar com porcentagens sobre mídia, nem sobre bonificações sobre volume, porque não as teremos como antes. Mas aí entra mais um fator que o Ojo me sentenciou que não mudou na relação entre agência e cliente: o lucro pelo resultado. 

O que mudou foi o tipo de ROI. Na maioria das preleções de case study, quem estava junto com o criativo apresentando era o cliente. Ou seja, há uma grande parceria na ousadia de criar algo memorável. Essa parceria é retribuída sob a forma de uma remuneração justa e verdadeira. Se o trabalho que a agência vem realizando é relevante, se está transformando o negócio do cliente, não há dúvida de que a remuneração será compatível com este sucesso. E temos que cobrar bem por isso. "Una buena idea no puede costar lo mismo que una mala" foi uma das telas mais aplaudidas na apresentação da La Comunidad. 

Enfim, o El Ojo me mostrou que tudo anda muito bem com a boa propaganda. Aquela que não parece propaganda. Aquela que entra na conversa das pessoas. Ou aquela que desencadeia uma conversa. Aquele que diz verdades, que mostra gente de verdade, solucionando problemas de verdade. O futuro só será assustador para quem acha que o futuro são coisas. Pra quem acha que dá pra encantar com impactos e não com histórias. Que dá pra emocionar com bots, e não com música.  Mas pra você, que acredita em talento e criatividade acima de tudo, está tudo bem. Porque tudo anda bem com as boas ideias, porque elas não dependem das plataformas. Elas dependem de gente. 

E gente, por mais que os bots tentem, gente não muda.  

Fernando Garros é diretor de Criação da agência e21. 

 

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