A redescoberta da verificação

Por Taís Seibt, para Coletiva.net

Desde que comecei a pesquisar o fenômeno do fact-checking (checagem de fatos) no doutorado e mais ainda depois que lançamos o Filtro Fact-checking, primeira iniciativa do gênero no Rio Grande do Sul, a pergunta que mais ouço de outros jornalistas é: "Não é esquisito que seja necessário ter agências especializadas numa tarefa que é básica do jornalismo?".

É e não é. Verificação é um elemento do jornalismo, como já eternizaram na literatura acadêmica os pesquisadores estadunidenses Bill Kovach e Tom Rosentiel no começo dos anos 2000 em 'Os elementos do jornalismo'. Eles dizem mais: a disciplina da verificação é o que diferencia o jornalismo de outros discursos, como a arte, o entretenimento e a propaganda.

Na última década, o ecossistema de informação passou a ser dominado por plataformas de distribuição de conteúdos, sendo a principal delas o Facebook. A crescente adesão dos usuários afastou os internautas das homepages jornalísticas e cada vez mais as pessoas passaram a se 'informar' pela timeline da rede social. O site do veículo virou ponto de chegada, não de partida. Isso fez com que os jornais moldassem seus conteúdos para chamar atenção dos leitores na rede social. E vamos combinar que a timeline do Facebook é uma grande bagunça: mensagens de familiares, conteúdos publicitários, crônicas, poemas, notícias e grandes reportagens disputam o mesmo espaço - e muitas vezes é difícil diferenciar uma coisa da outra. Isso também ajuda a entender a enxurrada de 'fake news' de que tanto se fala atualmente.

Nesse ecossistema confuso, reafirmar o compromisso com a verificação tornou-se uma saída possível para o jornalismo - e necessária para os internautas. Então não é que o fact-checking invente a roda, como se diz. Na essência, o que o método de checagem prega é uma metodologia jornalística de apuração, aquilo que todo repórter é treinado para fazer, mas nem sempre tem as condições necessárias para isso.

Na cobertura factual, fica difícil checar o conteúdo de todas as aspas que abrimos. Por isso, o fact-checking é um gênero complementar. É algo para ser feito por iniciativas especializadas mesmo, dentro ou fora das redações. E é preciso não só verificar, mas avisar que verificou: etiquetar, como faz a maioria das iniciativas. É preciso sinalizar para o leitor que aquela informação foi questionada e contextualizar o questionamento, explicar com base em quê ela se sustenta ou não. Assim, o fact-checking enquanto gênero se diferencia da prática elementar de verificação: não é o processo interno da redação de apurar os fatos e conferir as fontes, mas é um produto jornalístico à parte. Verificamos, dizemos que verificamos e mostramos como verificamos.

Sob essa perspectiva, pode-se dizer que o fact-checking é uma prática muito bem adaptada ao ecossistema midiático contemporâneo. Tanto é que as próprias plataformas reconhecem sua importância. Não fosse assim, o Facebook não teria firmado acordos com iniciativas de checagem - no caso brasileiro, Aos Fatos e Lupa - para verificar conteúdos potencialmente enganosos na rede. Isso mostra que a tecnologia não resolve tudo. Zuckerberg desenvolveu o algoritmo mais eficiente do mundo, se fosse possível criar uma 'máquina da verdade' você acha que ele já não teria feito? A verificação é um trabalho editorial porque exige contextualização, interpretação, ponderação, elementos que não são legíveis por máquina - e que são centrais no jornalismo.

A redescoberta da verificação revigora o jornalismo enquanto bem público na sociedade contemporânea. O desafio continua sendo remunerar o trabalho desses repórteres, altamente especializados, pois, afinal, é necessário reunir novas competências para o trabalho de verificação no ambiente digital. Quiçá o crescimento de uma percepção social de que a verdade importa, na contramão da 'pós-verdade', em que as emoções e crenças pessoais se sobrepõem aos fatos, possa ser um caminho para a valorização do jornalismo neste século.

Taís Seibt é jornalista, doutoranda em Comunicação na Ufrgs e cofundadora do Filtro Fact-checking.

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