A batalha pela comunicação

Por Marino Boeira

Quando o Bolsonaro esteve nos Estados Unidos e protagonizou aquele triste espetáculo de submissão explicita a um dirigente estrangeiro, nós brasileiros pensávamos que tínhamos chegado ao fundo do poço e que aquele limite de humilhação não seria ultrapassado.

Estávamos enganados. Agora em Israel, com o apoio do chanceler Ernesto Araújo, o Bolsonaro foi mais além e provou que a sua combinação de pobreza intelectual com o desprezo que vota pela História, não tem limites.

A imprensa nacional e internacional, mesmo aquela mais conservadora, não pode deixar de ironizar a afirmação dita pelo chanceler Araújo e repetida por ele, de que o nazismo se identificava com o socialismo.

Não devíamos ficar surpresos com o que diz ou venha dizer no futuro, alguém que, como ele, saudou publicamente um torturador, o Coronel Ustra e pretendeu comemorar um golpe de estado como foi o de 64 que, mesmo seus líderes, nunca negaram que matou e torturou os opositores.

O que devíamos pensar é como o Brasil elegeu seu presidente uma figura tão repelente como a do Bolsonaro.

Vamos dar logo a resposta e depois tentarmos provar que o raciocínio está certo

Foram os meios de comunicação.

Retrocedamos um pouco tendo a História como guia.

Em 1939, começou na Europa a guerra que se chamou depois de A Segunda Grande Guerra Mundial.

Como fora a primeira, ela era objetivamente uma guerra por vantagens econômicas entre potências européias que disputavam mercados e colônias na África e na Ásia.

De um lado ficaram os países ditos democráticos, os que não pretendiam que se alterasse o status quo - basicamente Inglaterra e França - e do outro, Alemanha e Itália, que por terem se unificado tardiamente, pretendiam alterar o status vigente.

Por fora, nessa disputa, corriam o Japão e os Estados Unidos, com interesses nas Filipinas, na China e nas ilhas do Pacífico.

A versão que os meios de comunicação transmitiam (e aí podemos localizar o início do seu papel histórico) era de que se tratava de uma luta entre as democracias e as ditaduras. Embora isso fosse verdade, não era toda ela.

A Inglaterra que comandava a política internacional do Ocidente, entregou de mão beijada a Hitler os Sudetos e aceitou a anexação da Áustria, tentando acalmar seus apetites (Pacto de Munich). Seu líder, Lord Chamberlain,  deixou claro que o ditador nazista não deveria ter mais nenhum ambição territorial a Oeste.

O Leste, onde para o Ocidente se construía algo monstruoso para a visão capitalista, um sistema com ambições socialistas e mais grave ainda, comunistas, estava à disposição de Hitler.

Só não contavam os ingleses, franceses e depois os americanos, que Stalin (até então apresentado como um ditador sanguinário) na sua sagacidade, conseguisse um acordo temporário de paz com os alemães (o acordo Molotov/ Ribentrop).

Quando mais tarde os alemães romperam o acordo e iniciaram a guerra contra a União Soviética e os japoneses bombardearam Pearl Harbour, o conflito se tornou global e então, o Ocidente precisou dos comunistas russos e Stalin passou a ser um aliado.

Isso é da História, mas e os meios de comunicação?

Esquecidos da demonização dos comunistas, os meios de comunicação começaram a exaltar os grandes feitos do Exército Vermelho e com ele as pessoas no mundo inteiro passaram a olhar com simpatia para bandeira vermelha da foice e do martelo.

Querem um exemplo? Carlos Drummond de Andrade, o nosso poeta maior, em 1944.

"Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades /  O mundo não acabou, pois que entre as ruínas / outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora, e o hálito selvagem da liberdade / dilata os seus peitos, Stalingrado/ seus peitos que estalam e caem / enquanto outros, vingadores, se elevam"

No Brasil, quando a guerra terminou,Luís Carlos Prestes se elegeu senador e poderia até ter sido Presidente, se o PCB não tivesse lançado o desconhecido Yedo Fiuza como candidato.

Os comunistas fizeram bancadas importantes nos parlamentos do Brasil inteiro. Na Câmara Federal foram 14 deputados, muitos dos quais se destacariam mais tarde na luta contra a ditadura de 64, como Carlos Marighella, João Amazonas e Maurício Grabois, além do escritor Jorge Amado.

Na Europa Ocidental, os comunistas ficaram muito próximos do poder, casos da Itália e da França.

O capitalismo estava em perigo e outro mundo parecia possível.

Vamos voltar novamente um pouco a Drummond para chamar a atenção para o que estava se tornando um sentimento muito forte entre as pessoas.

"O poeta declina de toda responsabilidade / na marcha do mundo capitalista

e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas / promete ajudar

a destruí-lo como uma pedreira, uma floresta / um verme"

O capitalismo, que Rosa Luxemburgo, em 1917 dissera ser um cadáver insepulto que já começava a cheirar mal, precisou reagir.

E fez isso usando a força das armas no mundo inteiro (Coréia, Irã, América Central, América do Sul) comandadas pelo seu novo centro, os Estados Unidos.

Mas só isso, seria insuficiente. Não haveria armas para subjugar o mundo inteiro. Era preciso convencer as pessoas que esse novo mundo era uma ilusão, que o capitalismo dito democrático do ocidente era o máximo a que o mundo poderia chegar (o fim da história do nipo americano Fukuaiama)

O presidente Eisenhower deu o sinal, no início da década de 50,quando convidou os americanos a conquistar os corações e mentes do mundo inteiro.

É isso que tem sido feito desde então

É esse o papel da comunicação feita pelos veículos próprios como o cinema, a televisão, o rádio e os jornais, mas também pelas igrejas, pelas escolas, pelos parlamentos, que repetem tempo todo uma mentira, para que assim repetida,  possa  ser considerada  verdade (como ensinou Goelbs) - É ISSO QUE TEMOS PARA VOCÊ.  Podemos sempre melhorar um pouco, mas nunca mudar radicalmente.

Quando se tenta uma reforma um pouco mais profunda, ainda que não mexa nas estruturas, mas ameniza os problemas da população, como foi o caso do petismo no Brasil, a reação é sempre violenta.

A pequena primavera com Lula precisou ser respondida pelo sistema capitalista com o inverno do Bolsonaro.

Nosso inimigo é o capitalismo e a comunicação seu braço armado.

É para a batalha pelo domínio dos meios de comunicação que devemos nos preparar.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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