Buenos Aires, Paris
Por José Antônio Moraes de Oliveira
"Caminhar em Paris significa avançar
até dentro de mim".
Julio Cortázar.
Em 1951, Julio Cortázar, desgostoso com a chegada de Juan Domingo Perón à Casa Rosada, abandona a Argentina e se auto-exila em Paris.
Na capital francesa, ele lê Charles Baudelaire, se apaixona duas vezes e produz alguns de seus melhores contos. Mas mesmo exilado, Julio Cortázar não esquece sua Buenos Aires.
Flanando pelos parques e boulevares parisienses, revive, a cada passo, cenas portenhas - as manhãs de sol na Plaza Itália, em Palermo; as sombras e penumbras da Galeria Guemes, na Calle Florida; os jardins da Villa del Parque, o Luna Park na Avenida Madero, onde ia assistir lutas de boxe, seu esporte favorito.
Quando a Argentina retorna à democracia, Cortázar viaja à Buenos Aires. Lá, revê escritores e poetas amigos e revisita lugares favoritos. Em Paris, lhe aguardam dias de alegrias e de tristezas. Recebe no Palais de l'Élysée o diploma de nacionalidade francesa e também perde a esposa Carol Dunlop. Doente e em depressão, morre algum tempo depois, em 1984. Conforme seu desejo, é sepultado no Cemitério de Montparnasse, não longe do mausoléu de Charles Baudelaire.
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Desde os primeiros dias em Paris, Julio Cortázar lê e estuda a vida de Charles Baudelaire. Mal se hospeda na Cidade Universitária e sai à procura do Hotel Lausun, no Quai d'Anjou, onde foi o escritor morava e onde produziu sua obra maior, Les fleurs du Mal. Não por acidente, o poema que viria a marcar a obra de Cortázar.
Existem coincidências curiosas entre os dois. Em criança, viveram privações e doenças graves. E ambos produziram literatura inovadora e revolucionária. Tanto Baudelaire como Cortázar se identificavam com o lado dark do Edgar Allan Poe. Uma influência que se tornaria obsessiva em Cortázar, nos meses em que trabalha na versão para o espanhol dos contos do norte-americano.
É interessante notar que, 100 anos antes, Charles Baudelaire também sofrera exaustão mental quando traduziu Allan Poe para o francês. Sua antológica versão de O Corvo é recebida com louvores e aplausos, mas Baudelaire reclama que a imersão em Poe lhe custara "insônia, desespero e terror". Procurando alívio, ele passa dias em longas caminhadas pelos boulevares e praças de Paris. Então descreve:
" É bom estar fora de casa e contudo sentir-se em casa onde
quer que se encontre. Ver o mundo, estar no centro do mundo
e mesmo assim, permanecer oculto ao mundo.
É um dos pequenos grandes prazeres do espírito".
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Exatamente um século mais tarde, ao buscar a inspiração perdida, Julio Cortázar repete a mesma experiência, redescobrindo os encantos que uma velha cidade pode proporcionar:
"- As imagens secretas de Paris apenas nos são reveladas ao término de tenaz fidelidade, quando descobrimos
que não vivemos nela por viver, que não caminhamos
nela por caminhar".
Seus contos e novelas, são mencionados lugares que ele apreciava frequentar. Como o Jardin des Plantes, que aparece em "Axolotl", ou a Galerie Vivienne, um dos cenários de "O Outro Céu". Cortázar repete em Paris, o antigo hábito de colecionar refúgios, como fazia em Buenos Aires: o Le Dôme, no Boulevard du Montparnasse, o La Coupole e o Old Navy, no Boulevard Saint Germain.
Com frequência, relata episódios de encontros e desencontros, repetindo Baudelaire e Allan Poe. No entanto, não lhe foi possível registrar um desencontro que aconteceu no Café Old Navy, um de seus prediletos.
No outono de 1956, um jovem escritor - então um ilustre desconhecido - de nome Gabriel García Márquez vai ao café tentando conhecer Cortázar, pois sabia que ele passava muito tempo por lá.
Mas quando o vê, não se atreve a se apresentar e observa Cortázar que escreve, solitário em sua mesa. O colombiano, futuro prêmio Nobel de Literatura, mais tarde descreveria o não-encontro:
"Eu o vi chegar de sua caminhada, sentar
e escrever por mais de uma hora, sem pausa para pensar,
sem beber nada mais do que um copo de água.
Quando escureceu, saiu com o caderno embaixo do braço,
o escritor mais alto e magro do mundo."
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