Marketing dos despossuídos

Por Flavio Dutra

A grande novidade em termos de Marketing de Relacionamento pode ser constatada nas principais esquinas da cidade e, por certo, não se originou em cursos de especialização e nem tem um guru de renome a propagandeá-la. A inovação fica por conta da mudança de atitude dos pedintes das sinaleiras ou daqueles que abordam as pessoas nos terminais de ônibus, com cantilenas do tipo "eu poderia estar assaltando, matando, mas estou aqui, pedindo uma moeda, uma moedinha que seja...".

Chama a atenção que o apelo é direto, mas com grande carga emocional, e aparenta sinceridade, o que torna o atendimento do pedido quase irresistível.  Nas sinaleiras, o pessoal tenta também se superar nas abordagens, falando menos e comunicando mais por meio dos cartazetes. E quando falam, é de forma menos agressiva e sem muita insistência. Afinal, o tempo é exíguo, por isso, a estratégia tem que ser eficiente e eficaz para atingir o maior número de motoristas e garantir ganhos de escala. Essa prática depõe contra os manipuladores de malabares e outros praticantes de artes circenses. Quando acabam o número, o sinal já está se abrindo e os carros se movimentando, sem deixar o óbolo.

A moda dos cartazes chamativos parece ter sido importada dos EUA, onde os sem teto abusam da criatividade nos seus anúncios em papelão ("Ajude o viajante do tempo! Preciso de dinheiro para um novo capacitor de fluxo", "Minha esposa foi sequestrada! Faltam 98 centavos para o resgate", são exemplos), ou super sinceros ("Uma pequena colaboração: para comida, para vinho, para cigarros e para cocaína", "É sexta-feira e eu só quero uma gelada").

Pelo jeito, nossos mendigos estão se globalizando, só que são menos intensos, por assim dizer, nas suas mensagens. "Tenho fome, me ajude" ou "Me ajuda a comprar um lanch qual que ajuda obrigado", é por aí e os erros gramaticais são tolerados em nome da solidariedade. Alguns pedintes, entretanto, sofisticam a mensagem como aquele que apela para contribuição para garantir um futuro melhor ("Sonho em ser bombeiro, mas nunca vou conseguir de estômago vazio"), ou aquele outro que exibe, diante da negativa dos potenciais colaboradores, uma maquininha de cartão de crédito. O estratagema arranca sorrisos e, às vezes, reverte a decisão de não doar.

Pra falar a verdade, nem sei se este relato se caracteriza como marketing de relacionamento, mas que funciona, funciona, como estratégia dos despossuídos.

*Publicado originalmente no viadutras.blogspot.com.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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