O caos das ruas centrais de Porto Alegre

Por Márcia Martins

Caminhar pelas principais ruas do bairro conhecido como Centro Histórico de Porto Alegre é, certamente, um exercício de resistência. Deve valer mais do que concluir o percurso da Corrida de São Silvestre. Deve ser mais cansativo do que percorrer o trajeto total da Maratona de Porto Alegre. Arrisco até a dizer que talvez corresponda a umas 15 aulas de Pilates. Haja condicionamento físico. Sem falar na saúde mental da pessoa que sairá arranhada pela paisagem mista de abandono, de abundância de farmácias, de sujeira ao redor das pequenas lixeiras de cores alaranjadas, de lojas fechadas, de pobreza desumana habitando as esquinas, de pedintes atrás de um insignificante pedaço de pão.

No início da tarde de terça-feira, 24, no pequeno trecho da Rua dos Andradas, entre as quadras da Avenida Borges de Medeiros, Ruas Uruguai, General Câmara e Caldas Júnior, o cenário era de caos total. Na frente de algumas lojas de comércio que ainda sobrevivem, principalmente de confecção feminina com preços atrativos, mesas de papelão ou madeira improvisadas pelos ambulantes invadiam os espaços destinados aos pedestres. Vejam bem, não sou contrária ao desenvolvimento da economia informal, desde que ela tenha um mínimo de planejamento no desenho urbano de uma capital. E compreendo perfeitamente que o desemprego é crescente e todos precisam ganhar dinheiro.

Na tentativa de desviar dos ambulantes com seus relógios, rádios portáteis, óculos, meias, mantas, camisas de futebol, bonecas, veda portas, carrinhos de brinquedos, o caminhante quase tropeça nas carrocinhas de pão de queijo, de pipoca ou dos comerciantes das antenas mágicas que transformam a sua televisão por R$ 20. Mais adiante, no cruzamento com a Rua General Câmara, o espaço é ocupado pelos vendedores de incensos, filtros dos sonhos e pequenos produtos do reino esotérico e astral. Existem, também, aboletadas entre a General Câmara e a Caldas Junior, tendas que vendem umas calças femininas de um tecido duvidoso, com estampas florais por R$ 25.

Mas a sucursal do inferno instalou-se no trecho quase em frente ao centenário Clube do Comércio. Ali, tapumes que protegem uma obra não sei exatamente do que, numa construção que se arrasta há um bom tempo, o pedestre precisa desviar dos carrinhos cheios de material de construção deixados do lado de fora, das barracas dos ambulantes e dos vendedores de pequenas guloseimas, como balas de gomas e pastilhas e drops de mentas. Para piorar, escorria de algum vazamento subterrâneo um rastro de água que inundava a calçada, limitando ainda mais a lacuna destinada aos caminhantes da Rua dos Andradas.

Ao final deste reduzido itinerário destas ruas que cruzam a Rua dos Andradas, a pessoa quase desiste, pensa melhor se necessita mesmo ir até o final, se não pode encontrar o que precisa em outro conglomerado de comércio. Mas, eu juro que fui até onde havia pensado, num exercício abrupto de desviar de tantos e inesperados empecilhos, de pular das poças de água formadas pelo vazamento, de escapar dos tapumes das obras eternas e inacabadas, dos ambulantes, enfim de tudo que pulsa e habita uma das ruas mais nervosas e agitadas de Porto Alegre.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

Comentários