O silêncio das redações

      Redações sempre se caracterizaram por uma certa desordem. A profissionalização das últimas décadas e a troca das máquinas de escrever por computadores reduziram o …

      Redações sempre se caracterizaram por uma certa desordem. A profissionalização das últimas décadas e a troca das máquinas de escrever por computadores reduziram o nível de ruído, o que foi saudável, mas hoje ocorre fenômeno inverso: algumas grandes redações do país são mais silenciosas do que deveriam. Entre tantos fatores a determinar o novo comportamento, um, em particular, deve nos preocupar. As pessoas estão conversando pouco, ao menos no que diz respeito ao trabalho. Muitas vezes, as discussões se limitam às reuniões de pauta, o que é insatisfatório para quem vive justamente da troca de informações. Pode ser falta de humildade para pedir conselhos, pode ser falta de solidariedade com os colegas, pode ser excesso de competição provocando o cada-um-por-si, pode ser o medo de falar besteira e pagar mico, pode ser o que for, o público perde ao receber matérias incompletas, pouco criativas.
      As reportagens poderiam ser melhor acabadas caso os vizinhos de baia se entrosassem mais. Não se trata de perguntar como se escreve determinada palavra ou qual a grafia correta do nome do chanceler alemão, mas de colocar conceitos em discussão informal, sem a pretensa seriedade de reuniões, nas quais profissionais brilhantes, mas tímidos, muitas vezes se calam, enquanto alguns beirando o medíocre se sobressaem, não por ter conteúdo, mas por saber fazer cara de quem tem. Se o melhor repórter é aquele que não sente qualquer constrangimento em perguntar e perguntar até estar satisfeito, e mesmo assim desconfiar de que faltou algo, o espírito questionador deve começar dentro de casa.
      Quando eu iniciava minha carreira como repórter, fui escalado para cobrir a Copa Davis de Tênis, que teria uma etapa disputada na Leopoldina-Juvenil, em Porto Alegre. Ainda não era um apaixonado pelo tênis, o que vim a me tornar depois, nunca havia jogado, o que também passei a fazer depois com muito esforço e pouca técnica. A maioria das partidas a que assistira o fizera pela TV, e não era como hoje. Tratava-se de um aparelho de tela pequena, em preto-e-branco, cheia de chuviscos, e sequer a bolinha era amarela para se sobressair um pouco naquela pequena variação de tons cinza.
      Diante da importância do evento, era bom me preparar. Eu seria o segundo na cobertura, o papel de protagonista pertencia a Cláudia Coutinho, também muito jovem e iniciante, mas que estava na editoria de esportes de Zero Hora havia mais tempo e se especializara, entre outras coisas, na cobertura do tênis. Para que dois se entendam é necessário disposição mútua. A Claudinha logo se ofereceu para me dar algumas dicas, e, com muita paciência, me explicou regras, contagem de pontos, principais golpes etc. Eu logo aceitei, consciente da imensa distância que separava os conhecimentos dela dos meus.
      Investimos algumas horas nesta tarefa nos dias que antecederam a competição, contanto com o apoio do Evaldo Gonçalves, editor do que na época se chamava de Esporte Amador. Tivéssemos um chefe com a mentalidade do cada-um-que-se-vire, eu poderia ter me dado mal e atrapalhado o trabalho da Claudinha, mas o leitor seria o maior prejudicado por receber informações de alguém desqualificado para a missão. A cobertura foi bem sucedida, e, das conversas com a Claudinha, saiu a base de meus conhecimentos sobre tênis. Uma atitude simples, a de dois colegas sentarem para trocar informações, ou para quem sabe mais ensinar quem sabe menos sem se fingir de muito importante e ocupado para tal, e sem o aprendiz se comportar com a impaciência dos ignorantes. Simples, mas se vê cada vez menos nas redações.
Dedicado a Cláudia Coutinho
( [email protected])

Autor
 Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha, Dona Deusa e seus Arredores Escandalosos e da ficção juvenil Eliakan e a Desordem dos Sete Mundos.

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