Pelo fim da violência contra as mulheres

Por Márcia Martins

A campanha dos 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres foi deflagrada nesta terça-feira, 20 de novembro, no Brasil. Exatamente no Dia Nacional da Consciência Negra, com o objetivo de reforçar a necessidade de enfrentamento à dupla discriminação sofrida pela mulher negra. No restante dos mais de 160 países que aderem ao movimento, a iniciativa se inicia em 25 de novembro, que é o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher. Prossegue até 10 de dezembro, data em que ocorreu a proclamação da Declaração dos Direitos Humanos. É pouco, muito pouco tempo mesmo para se debater e falar sobre todo o tipo de violência de gênero que ocorre todos os dias, tanto no ambiente doméstico como no local de trabalho.

Enquanto houver, em qualquer lugar do planeta, um gesto de violência contra a mulher, informado ou não (nem todas têm coragem, por inúmeros motivos, de denunciar a agressão), todos os dias serão para alertar, denunciar, gritar que precisamos dar um basta nisso. Porque é impressionante. É alarmante. É de assustar. Mas todos os dias um número significativo de mulheres, jovens e meninas são submetidas a alguma forma de violência no Brasil. De diferentes maneiras e intensidades, a violência de gênero no País é recorrente e se dissemina nos espaços públicos e privados. Os assassinatos femininos, em número de 13 mulheres por dia, representam a face mais sinistra dessa violência.

Mas os dados recentes são realmente inquietantes. Segundo indicadores publicados no portal do Instituto Patrícia Galvão, revelados no Atlas da Violência 2018, levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 10 anos, de 2006 a 2016, observou-se um aumento de 6,4% no número de mulheres mortas. Em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no Brasil, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. Foram quase cinco mil sentenças por feminicídio e a casa da vítima é o local mais perigoso, onde tais crimes mais acontecem. Logo, não foi uma escada no meio do caminho, o tapete enrugado, um escorregão no piso molhado, a porta do roupeiro esquecida aberta.

Para ser mais exata, o Atlas da Violência aponta que os tribunais de justiça de todo o país movimentaram 13.825 casos de feminicídio em 2017, sendo que 3.039 processos foram baixados, restando pendentes ao final daquele ano, 10.786 processos. E foram proferidas 4.829 sentenças por feminicídio em 2017. Dos feminicídios (termo usado para denominar assassinatos de mulheres cometidos em razão do gênero), 66% aconteceram nas casas das vítimas. Não é mais possível calar e conviver diariamente com o agressor e continuar arrumando as mentiras mais grotescas e esfarrapadas para encobrir tais atos de violência. Não é uma trombada na escada que machuca os braços de muitas Marias, Sonias e Lúcias.

Pela primeira vez, o levantamento fez uma análise sobre a violência sexual que aponta que, em cinco anos, o número de estupros no sistema de saúde (os notificados) dobrou. São denunciados 135 casos de estupros todos os dias no Brasil (novamente os números referem-se somente aos informados). Enquanto as polícias registraram 49,497 estupros em 2016, o Sistema Único de Saúde (SUS) contabilizou 22.918 casos. O Atlas da Violência calcula que, em decorrência da subnotificação que caracteriza esse tipo de crime, é possível que tenham ocorridos entre 300 a 500 mil casos de estupro no Brasil naquele ano. Dos casos informados, 51% vitimaram crianças menores de 13 anos, sendo que em 30% deles, o agressor era amigo ou conhecido da criança e em outros 30% era um familiar próximo (pai, padrasto ou irmão).

Os números acima reforçam que é urgente colocar um ponto final na violência contra mulheres e meninas. É necessário entender que quando uma mulher diz não, ela está exatamente dizendo não. É necessário compreender que a roupa usada pela mulher não lhe define e não concede o direito de qualquer tipo de violência sexual. É necessário aceitar e respeitar que lugar de mulher é onde ela quiser. É necessário defender sempre que toda discriminação é uma forma de violência e toda violência de gênero é uma discriminação. Que deve ser denunciada. Que a violência contra as mulheres é um atentado à cidadania. Um crime hediondo de gênero. Um ato nojento de intolerância. Uma covardia sem limites.

O que é a campanha

Em 1991, mulheres de diferentes países, reunidas pelo Centro de Liderança Global de Mulheres, iniciaram a campanha com o objetivo de promover o debate e denunciar as várias formas de violência contra as mulheres. Em 1999, a ONU aprovou 25 de novembro como o Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher. A data foi escolhida para lembrar que no mesmo dia, em 1960, três ativistas políticas, as irmãs Mirabal, conhecidas como Las Mariposas, foram assassinadas a mando do ditador Rafael Trujillo, na República Dominicana.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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