Quase convites a um semi-aposentado

Por Flávio Dutra

Cheguei a uma fase na vida em que praticamente todos os dias recebo intimações do tipo "precisamos almoçar qualquer hora dessas", ou então "temos que tomar um café", interpelações próprias a que fica submetido um semi-aposentado como eu. Os quase convites partem de ex-companheiros na mesma condição e necessitados de companhia, passa pelos que tem projetos para mostrar e buscam opiniões favoráveis ou uma forcinha junto a alguma instância e chegam até daqueles que me tiram para guru, e estes existem mesmo, não é balaca minha. Todos merecem minha maior consideração e uma resposta padrão:

- Me convoca. Marca o dia, a hora e o lugar que me apresento.

E fico aguardando, ansioso para que a convocação se confirme, o que dificilmente acontece, diferente das minhas prazerosas confrarias, que ocorrem com a regularidade de um relógio suíço.

É diferente também lá fora, e lembro o ocorrido com um companheiro das antigas, momentaneamente exiliado nos Estados Unidos, que convidou um novo amigo americano para um "aparece lá em casa". No dia seguinte, o amigo se apresentou acompanhado da mulher, para pasmo do dono da casa, que precisou providenciar comes e bebes às pressas. A lição que o brasileiro aprendeu é que, nos países tidos como civilizados a cordialidade é pra valer.

Aqui, ainda estamos naquela do brasileiro cordial da boca pra fora. Ele se manifesta em todo o seu potencial nas despedidas dos encontros fortuitos. O quase convite reforça os laços de amizade, é demonstração de intimidade e de reconhecimento entre os convivas, mesmo que o ágape não se realize.

A classe politica sabe disso e usa e abusa dos cafés da manhã, almoços e jantares quando busca apoio para determinadas questões mais sensíveis ou polêmicas.  Os conquistadores amorosos também investem nos prazeres da mesa que propiciam às suas parceiras para chegarem aos prazeres da cama.  Aí já é pragmatismo explícito.

A verdade é que os convites que eu gostaria de receber, sem desfazer das convocações sinceras e que se consumam, são para aquele emprego maravilhoso, ganhando bem e com poucas responsabilidades; ou de um editor generoso disposto a bancar os livros que sazonalmente tento emplacar ou, melhor ainda, daquela caldável que se insinuou, mas não dá mais sinal de vida.  Mas, também nestes casos, a efetividade deixa a desejar. Assim, só me resta apelar: toca, telefone, toca.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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