Sonhos

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Ele passava as manhãs na praça. Sentava sempre no mesmo banco e lia um livro de capa azul. Não tinha nenhuma característica especial. Atarracado, cabelos e barba branca, usava uma boina basca que lhe dava um ar de sabedoria. Se integrava na paisagem e ninguém parecia se importar com ele. Era como se fosse invisível. Até que certo dia, quando eu passava por perto, ele interrompeu a leitura, me olhou e perguntou de repente:

"- O jovem sonha?"

Aquilo me pegou de surpresa. Resmunguei uma desculpa qualquer e segui em frente. Depois fiquei pensando na pergunta que não respondi. Coisa estranha - o que o velho queria? Se eu sonhava? Claro que sim, mas meus sonhos não são da conta de ninguém!

***

Na semana seguinte, depois de um aguaceiro de Verão, voltei à praça. Pouca gente por lá. Olhei, mas o homem de boina não estava no lugar de sempre. Sobre o banco havia um livro largado. O livro de capa azul. Com uma folha de papel enfiada entre as páginas do livro. Olhei para um lado e outro. A praça estava como sempre, crianças brincando, gente para lá e para cá. O que significava aquilo? Uma mensagem sobre sonhos? A curiosidade venceu, peguei e abri o livro.

Era 'As Aventuras de Tom Sawyer', de Mark Twain, que eu nunca tinha lido, mas do qual ouvira falar muito. Na folha de papel havia um texto em letras muito bem desenhadas:

"- Daqui a 20 anos, você estará mais decepcionado pelo que não fez do que pelo que fez. Livre-se das amarras.

Navegue para fora de seu porto seguro.

Pegue os ventos da aventura em suas velas.

Vá atrás de seus sonhos."

Meti a folha de papel no bolso, devolvi o livro ao banco, e retomei o caminho de casa. Na praça, nenhum rastro do dono do livro. Ele havia sumido dali. Mas porque deixara o livro no banco com aquele bilhete?

Algum tempo depois, aconteceu de passar pela praça e parei junto ao banco onde o homem de boina costumava sentar. Mas ele não estava lá. Nem muito menos o livro de capa azul. Eu ainda estava tentando entender a razão do bilhete. Uma citação do livro ou um conselho de vida?

Fui direto para o centro da cidade e procurei uma livraria. Encontrei alguns livros de Mark Twain, inclusive uma edição de capa azul de 'As Aventuras de Tom Sawyer'. Li o livro naquele mesmo dia. Não achei nada sobre navegar e sonhar. Mas o bilhete do velho está comigo até hoje.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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