Sucessos no boteco virtual

Por Flávio Dutra

O que mais me intriga no momento, eu que já rodo por aí há 69 anos, são essas manifestações que de repente viralizam nas mídias e recebem pencas de adesões e compartilhamentos. Dois exemplos recentes: o sucesso da música Jennifer ("O nome dela é Jenifer") e as fotinhos confrontando 2009 e 2019.

Confesso que não sou muito ligado no mercado musical para entender como surge e se firma um sucesso, nem estou aí para julgar se Jennifer, consagrada como hit do Verão, é boa ou ruim. Tenho gosto eclético e não preconceituoso.  Entretanto, gostaria de compreender a complexidade do processo que leva uma manifestação dessas a se tornar fenômeno de popularidade. 

É o caso, também, das postagens que mostram a evolução - ou involução - de uma situação ou pessoa em 10 anos, hashtag 10yearchallenge. Até gente circunspecta de minhas relações se entregou à brincadeira, com efeitos perversos em alguns casos. O tempo pode ser cruel no espaço de 10 anos e aquela caldável de 2009 aparece agora com mais pé de galinha que uma canja e o garotão malhado de anos atrás virou um charque velho e barrigudo. 

Deve haver uma Central de Criações e Sacanagens, uma instituição com várias ramificações por trás de tudo isso. O lado positivo, se é que se pode definir como positivo, é que tais manifestações despertam a incomensurável veia criativa do brasileiro. Manifestei a dúvida porque a criatividade é mais voltada a promover a safadeza e o deboche, inundando as redes com aquelas bobagens que fazem a alegria de uns e a fúria de outros. De novo, dois exemplos, ambos da #10yearchallenge: Fernando Haddad jovial e bonitão em 2009 e, no quadro seguinte, de 2019, em forma de poste; ou o par de seios, firme e forte em 2009 e caidaço 10 anos depois. 

Pelo receio da comparação desfavorável - e porque abomino o efeito boiada -, não participo desses movimentos que se disseminam nas redes. Vale o mesmo para correntes, apelos por causas fajutas, defesa de larápios de todos os matizes, etc, etc. Continuo me indagando, porém, como surgem, se espalham e, em seguida, altamente perecíveis que são, acabam substituídas por outro tipo de questão e segue o circo. Começo a acreditar que se trata de um processo em escala industrial para saciar a necessidade das gentes de se acharem incluídas nos temas da moda e poderem participar de debates candentes nos botecos virtuais em que se transformaram as redes.

Já eu prefiro a leveza e o bom humor nas postagens, mesmo aquelas interpretadas como politicamente incorretas ou rabugentas. Para quem pensa assim, vai meu melhor e mais sonoro buuu.

(Mas encerro continuando sem saber como funciona a tal viralização. Aceito explicações.)

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

Comentários