Uma conquista coletiva tem mais força

Por Cris De Luca

Neste sábado, 9 de fevereiro, me tornei, oficialmente, bacharela em Relações Públicas. Depois de quatro anos intensos na rotina trabalho e estudo, o tão esperado diploma com selo de qualidade Ufrgs finalmente foi conquistado. Mas esse texto, hoje, não é para falar sobre a minha experiência, a minha conquista. É para falar de uma conquista coletiva dos meus colegas, de suas famílias e amores. Junto com a minha turma de Relações Públicas, também se formaram colegas publicitários e jornalistas. Ao todo, éramos 61 na turma de Comunicação Social 2018/2! Um povo lindo com todos os motivos do mundo para comemorar.

Desde que passei a ir nas cerimônias de colação de grau dos cursos da Fabico, notei que os discursos dos oradores de turma sempre tinha um tom de inquietação, de contestação, de colocar o dedo na ferida, de não ter mais palavras para dizer as coisas. Tinha algo diferente dos outros cursos. A primeira experiência foi no dia seguinte em que mataram a deputada Marielle Franco. Era impossível ficar indiferente ao que tinha acontecido. E sabia que meus colegas não só lembrariam a morte dela, afinal já faz quase um ano do assassinato sem respostas, mas trariam muitas outras questões em pauta não só políticas, mas, principalmente, sociais. 

A vontade era estar com um caderninho anotando todos os trechos maravilhosos das falas delas e dele (foram cinco oradoras e um orador), mas acho que o pessoal do cerimonial não acharia muito agradável, então, pedi autorização para usar alguns trechos do discurso feito pelas maravilhosas salve salve Kassiele Nascimento e Marjana Antunes, duas mulheres negras e cotistas, com quem tive o prazer de conviver na Fabico (menos do que eu gostaria) e que hoje tenho orgulho de chamar de minhas colegas relações-públicas. Queria colocar ele na íntegra, mas ficaria um pouco longo para vocês lerem, então fiz alguns recortes, que penso que vai passar o recado.

"Este é um ato político e de esperança para todos aqueles e aquelas que como nós, enfrentam as barreiras impostas por uma sociedade misógina, racista, LGBTfóbica, que exclui os mais pobres e desconsidera pessoas com deficiência.  (...)

Este é um momento de celebração e também de reflexão em que fazemos uma retrospectiva do nosso caminho até aqui e da importância de um retorno positivo à sociedade em resposta à educação gratuita que recebemos. Podemos parecer muitos, mas, na verdade, a partir de hoje fazemos parte da estatística de apenas 15% de brasileiros com o ensino superior completo. Estudos comprovam que as chances de um estudante pobre entrar em uma universidade pública é de apenas 2%, mostrando que as instituições públicas de ensino superior no Brasil ainda perpetuam as desigualdades sociais.

Infelizmente, o futuro nos reserva tempos difíceis, mas também temos certeza que, de nossa parte, a resistência será o caminho que iremos trilhar juntos. Portanto, é extremamente necessário se colocar em defesa da educação pública. Reivindicamos as ações afirmativas que oportunizam o acesso de quem historicamente teve o direito à educação negado. Tais políticas são responsáveis pela significativa mudança no perfil do estudante do ensino superior no Brasil. Reforçamos que é preciso que o ensino superior não esteja restrito a uma elite econômica. Mas que as populações minorizadas possam fazer uso dessa ferramenta de emancipação que é a educação. Para que não falem por nós, para que possamos trazer os nossos saberes ancestrais e marginalizados para dentro desse espaço. Nunca fomos e nem nunca seremos recorte, somos o centro. 

Também não podemos deixar de manifestar o nosso repúdio, como as nossas colegas jornalistas, às declarações do atual Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez de que 'o ensino superior deve ser destinado a uma elite intelectual'. Tal pensamento expressa a direção oposta a que gostaríamos de estar: um país em que a educação não seja vista como um privilégio de poucos, mas sim um direito de todos. (...)

Neste cenário, compreendemos que a comunicação tem o papel primordial de ressoar e amplificar vozes historicamente silenciadas de diversas formas por uma sociedade opressora. Contribuir para a visibilidade e autonomia de cada uma para que possam se potencializar. Sabemos que essa tarefa não se cumpre apenas no plano simbólico, mas também na prática e em diversos âmbitos como o mercadológico, institucional e estratégico. O ser Relações Públicas é ter alteridade suficiente para sermos conscientes sobre qual o nosso lugar de partida nessa discussão, relembrando o que bem nos diz a filósofa Djamila Ribeiro. 

Segundo a filósofa Sueli Carneiro, porta-voz é aquele que carrega em si o poder de transformar, representar. E assim, nos entendemos como profissionais de Relações Públicas no campo da Comunicação. Nesta posição, assumimos o compromisso de discutir comportamentos enraizados nas organizações para podermos avançar enquanto sociedade. 

Como comunicadores, compreendemos nosso papel na engrenagem da sociedade e mais que isso, sabemos que não servimos para que ela apenas siga girando. (...)

Neste processo, encaramos a comunicação como uma ferramenta para romper com narrativas subservientes, de estereótipos historicamente construídos. A Comunicação deve ser o lugar em que todas e todos tenham a oportunidade de serem sujeitos, recriando a narrativa a partir dos seus próprios olhares. 

Enfim, consideramos que apresentar um pouco sobre o contexto do Brasil e educação no dia de hoje - um dia tão sonhado por nós e nossos familiares - é importante para relembrar de onde viemos e para onde queremos seguir. Sabemos que muitos horizontes são ampliados dentro da universidade mas a busca por conhecimento, como dissemos anteriormente, não deve parar por aqui. 

Pois acreditamos que é assim que o conhecimento se transforma, quando ele transborda para além de nós mesmos. Seguiremos atentos e atuantes, em busca de um novo futuro possível. Já diz o samba da Mangueira: 'Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês'."

P.S.: Pouco antes de terminar este texto, parei para almoçar e, em seguida, liguei a TV e dei de cara com a notícia da morte do Ricardo Boechat, uma das minhas referências no Jornalismo. Vai fazer falta um cara lúcido como ele para trazer um pouco de discernimento para o nosso dia a dia e colocar o dedo em tantas feridas que estão expostas por aí. Não está sendo fácil viver em 2019! Que seu caminho seja iluminado! Que sua família fique em paz!

Autor
Jornalista, formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, especialista em Marketing e mestre em Comunicação - e futura relações-públicas. Possui experiência em assessoria de imprensa, comunicação corporativa, produção de conteúdo e relacionamento. Apaixonada por Marketing de Influência, também integra a diretoria da ABRP RS/SC e é professora visitante na Unisinos e no Senac RS.

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