'Brujerias'

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Aquele céu de Inverno, pintado de roxo e vermelho não parecia de bom augúrio. Sentia-se que alguma coisa estranha estava por acontecer. Vi meu avô chamar o peão Eleutério de lado e indagar o que estava se passando. O homem pigarreou duas ou três vezes, rodou o chapéu nas mãos calosas e desconversou. Disse que os cavalos estavam assustados, escoiceando as tábuas das cocheiras. Depois, pediu licença e saiu de lado. Mas os que estavam mais perto ouviram ele resmungar:

"Em noite de brujerias hay que se benzer três vezes."

E se foi, sumindo no escuro dos galpões.

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Meu avô, o coronel Patrício, já passara por muitas e boas. Sobrevivera a revoluções, tiroteios na fronteira e brigas de arma branca. E criara uma grande família, com uma dúzia de homens fortes e bons nas lides de campo. Vida longa e suficiente para saber que não se deve duvidar de coisas que não se entende.

Em seus quase 90 anos, já presenciara benzedeira curar picada mortal de cascavel e portão de cemitério abrir sozinho em noite sem vento. Ele caminhou em direção às cocheiras para olhar de perto o que se passava. Sentiu que alguma coisa estranha perturbara os garanhões, inquietos, de olhos arregalados e focinhos abertos.

Falando baixinho e alisando as crinas, o avô foi acalmando os bichos, um por vez, até que chegou ao alazão, o mais reinoso de todos. Foi quando um pé de vento entrou cocheira adentro, fazendo bater portas e janelas. Na hora, entrou o velho Eleutério, ajudando a acudir os cavalos, alvoroçados com a ventania. Ele tentava parecer calmo, mas não conseguia esconder um olhar assustado. Era comum ver cavalos assustados com o cheiro dos bichos, como raposa ou de gato do mato, mas aquilo era diferente. Eleutério fora criado na Banda Oriental, homem calejado, que não se apavorava por qualquer quirela. Mas cada ventania tem um motivo.

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Muitos anos atrás, Eleutério tropeava, buscando gado do outro lado da fronteira. Eram jornadas difíceis, cruzando campos desertos debaixo de chuva e vento. De cada viagem, os tropeiros traziam estórias para contar. Estórias estranhas, de almas penadas, que tiravam o sono das gentes. Como a que se passou pelos lados do Tuiuty:

"Era a estória de Santos Veja, um cantador que ganhava de todos no desafio de viola. O homem cantava por horas a fio, sem perder uma rima nem um verso sequer. Muito cheio de si, dizia que não havia nascido quem o pudesse derrotar. Em uma noite de lua nova, bêbado de vaidades, levantou o punho para o alto e gritou que nem no céu havia cantador melhor do que ele. Então, soprou um pé de vento e do nada surgiu um vulto estranho, carregando uma viola nas costas e com os olhos injetados de vermelho."

A cada vez que contavam esta estória, Eleutério mandava as crianças embora, pois era coisa de arrepiar cabelos da nuca de qualquer vivente. Mas havia muito mais a contar sobre aquela noite de ventania.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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