Antigamente, olha eu aí remexendo no baú, jornalista tinha uma vida desregrada, como se isso fizesse parte da natureza da profissão. Nos anos 50 e 60, boemia era medalha no peito. Nos 70, os de minha juventude, o bar, a cerveja, o picadinho a Maria Luiza ou a costela bem gorda faziam parte da rotina diária. A melhor ação para desestressar estava sempre a postos. No bar.
No início daqueles anos 70, toda terça-feira a confraternização dos jovens que formavam a maioria da redação da Folha da Manhã era antecedida de um jogo de futebol de salão, esse que passou a se chamar de futsal. A direção era uma quadra no Quarto Distrito, para jogar das 11 da noite até uma da manhã. Pode parecer incrível, mas eram duas horas intensas porque sempre havia mais de dez pretensos atletas a disputar vaga. Namoradas, esposas e algumas raras colegas da redação se sentavam na arquibancada não para torcer, mas para se debruçar na saborosa arte de falar do cotidiano e da vida de outros. A noite invariavelmente se estendia pela Churrascaria Itabira, onde o garçom Oswaldo se desdobrava para atender o mesão de pelo menos dez criaturas que se apresentavam perto das duas horas, com muita fome e mais sede ainda. A jornada se encerrava por volta das cinco, com todos esbanjando um sorriso de felicidade, podes crer.
A vida desregrada cobra um preço alto, disso minha geração se conscientizou a partir dos 40, e hoje praticamos uma rotina que soaria quase incompreensível para os boêmios dos anos 50. Caminhada, corrida, bicicleta, academia, pilates são ambientes e ações que fazem parte desses idosos que foram jovens nos anos 70. O que explica uma certa longevidade. Somos da década de 50, quando a expectativa de vida ao nascer no Brasil era de cerca de 50 anos. No ano passado esta expectativa estava em 76,4 anos - a exata idade que ostento hoje e em cima da qual não pretendo me acomodar.
Estar no ocaso da existência provoca medos e inquietações que os jovens ignoram ou não admitem assimilar. Neste findi, ao ver o filme Uma Bela Vida, um turbilhão de emoções foi agitado pelo diálogo entre um escritor e filósofo e um médico que se especializou em tratamentos paliativos. Histórias de pacientes em fase terminal, seja por alguma doença, seja pela idade sobrecarregada com as debilidades da velhice, são apresentadas com naturalidade. Palmas para o diretor Costa-Gravas, gênio que ousou contar esta história em que a vida e a morte são objeto de reflexão constante e que ele aborda de uma forma tranquila e, por que não reconhecer, agradável. Desmistifica tabus e explicita como pode o final da vida ocorrer com dignidade. Inclusive com exemplos reais, como os de povos africanos que veêm na morte uma oportunidade para honrar quem parte e refletir sobre a vida.
Sim, a vida é bela, e a morte também pode deixar um rastro de beleza. É um elemento natural, inseparável, que nos acompanha desde o primeiro choro. E que pode sim ser encarado com coragem e lucidez, como mostra o roteiro seguido com brilhantismo por Costa-Gravas do alto de seus 92 anos.