A ampliação do descrédito: mais indivíduo e menos coletivo

Por princípio, a democracia está associada à cidadania. Para entender os dilemas da democracia, é necessário entender os dilemas da cidadania.

A cidadania está associada aos direitos e deveres do indivíduo (cidadania individual) e de grupos sociais (cidadania coletiva). A cidadania individual remete à liberdade e à autonomia de um indivíduo (desde o direito à vida, à propriedade, até o direito ao voto). A cidadania coletiva está associada ao direito, à participação, à representação política e à capacidade de mobilização através de lutas que representem grupos sociais (desigualdade social, desemprego, etc). A cidadania coletiva também deve tratar de temas relacionados à minoria, mas não pode se perder de sua essência: que são as lutas da maioria.

A maior parte dos estudos opinativos desenvolvidos pelo Instituto Pesquisas de Opinião (IPO), no Rio Grande do Sul, indica que a maioria da população é favorável às manifestações, apoia mobilizações de rua contra a reforma da previdência, contra a corrupção, entre outros. Entretanto, trata-se de um apoio moral, uma terceirização de responsabilidade. Mais de 70% concordam com as manifestações, mas apenas 10% afirmam que participariam (desde que tivesse a convicção de que não houvesse interesses políticos escusos).

Mas por que a população terceiriza a responsabilidade?

Verifica-se um alto nível de desinformação, de apatia, ceticismo e descrédito em relação à política. Os eleitores não acreditam nos partidos e na política e essa descrença forma uma apatia social em relação às decisões políticas que atingem o cotidiano. É como se fosse uma negação da cidadania coletiva, a percepção de que não vai dar em nada ou de que alguém ganha com as lutas coletivas, que não o indivíduo. A tendência das pessoas é se preocupar com as suas lutas individuais, com a resolução de seus problemas.

A desinformação e o desinteresse da maior parte do eleitorado não são um reflexo de sua suposta irracionalidade, mas antes, o resultado de uma cultura política cética e personalista, um modus operandi de relacionamento com a política que tem se intensificado nos últimos anos.

A descrença com os partidos e a política faz parte de um processo de construção da cultura política do País, de uma democracia que não estimula a participação política, o exercício da cidadania.

Há vários desafios pela frente para restabelecer a crença da população e fortalecer a cidadania coletiva. Estes desafios perpassam a reflexão da cultura política vigente e de sua relação estreita com o jeitinho brasileiro e termina na reforma do sistema político, que deve reprimir a corrupção e fomentar a participação.

Autor
Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO - Instituto Pesquisas de Opinião em 1996 e tem a ciência como vocação e formação. Socióloga (MTB 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e tem especialização em Ciência Política pela mesma instituição. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Elis é conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) e Conselheira de Desburocratização e Empreendedorismo no Governo do Rio Grande do Sul. Coordenou a execução da pesquisa EPICOVID-19 no Estado. Tem coluna publicada semanalmente em vários portais de notícias e jornais do RS. E-mail para contato: [email protected]

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