A difícil arte de meditar

Por Carlos Guimarães

Vocês já tentaram meditar? Meditar de verdade, com respiração correta, posição perfeita, com a música ideal, sentindo o relaxamento dos músculos com o delicioso amortecimento do corpo se misturar a uma indescritível sensação de paz de espírito, onde todos os fluxos corporais se integram a uma capacidade mental de plenitude? Pois bem, eu não. Nunca. Eu só descrevi um sentimento daqueles que conseguem meditar e, imagino, aconteça tudo isso. Corpo e mente perfeitos. Não consigo.

Meditar é uma arte que foge daquilo que sou. Eu acredito na meditação, mas não acredito que eu seja capaz de meditar. Sou ansioso, hiperativo, produtivo. Preciso do movimento de outras formas, escrevendo, realizando, correndo, seja como for. Eu não tenho problemas com exercícios físicos, desde que eles sejam intensos. Ficar confinado reduz isso e é inegável. Eu não optei pela meditação, optei pela realização das coisas que eu sei fazer, que eu consigo viabilizar. Isso gera em mim um estado diferente, de que, com a barba grande, cabelo por cortar, calça de moletom ou bermuda, camiseta velha - mas tudo isso limpo e de banho tomado - ainda reside em mim algum sentido de utilidade para as coisas.

Mesmo assim, o confinamento tem sido um período de contemplação. Especialmente à noite. Moro sozinho há pouco tempo, depois de diversos descaminhos que a vida proporcionou. Coisa minha. Acontece, faz parte. Estar sozinho é um exercício de resistência enorme para quem sempre esteve acompanhado, para quem sempre produziu em equipe, em conjunto, para quem sempre esteve cercado de amigos, colegas, namorada, esposa. É um desafio que tem seus efeitos colaterais, como a solidão em uma noite de domingo ou como o afastamento da necessidade de sempre precisar ter um calor humano presencial, uma aproximação corporal. São 21 anos convivendo num ambiente de redação e minha vida toda dividindo teto com alguém. Sempre correndo, trabalho, faculdade, projetos, prazos. Uma inquieta vida integrada à sociedade em sua totalidade: minha vida sempre foi conviver com os outros, viver com os outros, trabalhar com os outros, sempre presencialmente.

Estou em quarentena há exatos 19 dias. Sozinho. Não existe uma chave que transforma aquilo que eu sou num ser mais iluminado, espiritual e vocacionado a buscar uma paz que sempre considerei uma utopia da prática, embora um alívio de espírito. Meditar é autoconhecimento, mas pensar também é. Esse autoconhecimento nunca foi um problema para mim, sempre fui muito bem resolvido em relação àquilo que sou e que posso produzir. Justamente por isso, torna-se ainda mais desafiador o período de estar sozinho. Embora diversos perfis de autoajuda, do tipo "busque sua paz interior e seja feliz", ajudem, eu passei a desacreditá-los quando percebi que esse autoconhecimento varia. Eu não estou preparado para ser mais espiritualizado, embora tenha mudado bastante com o tempo. Antes cético, hoje acredito em energias, em forças superiores, em coisas que não se explicam e servem justamente para tentar explicar e civilizar os raciocínios interiores em tempos de isolamento social.

Eu não vou meditar, pois não consigo. Eu não sei se busco uma paz interior. Mas também deixei de racionalizar tudo que me cerca. Meu autoconhecimento me indica o caminho de resistir a um desafio que parecia impossível: estar sozinho, distante e sem ver as pessoas é um obstáculo que precisa ser transformado em alguma coisa que me faça sentir de fato útil, produtivo e relevante. Admiro quem transforme isso em paz interior, meditando. Não é sobre paz, é sobre evolução. Não é sobre evolução do espírito, mas uma evolução racional, do convívio, da superação e de sair desta fase melhor do que entrei. Minha meditação é suportar o dia a dia. Ainda sou fraco demais para buscar uma transcendência espiritual.

Autor
Comentarista esportivo da Rádio Guaíba, com passagens pelas rádios Gaúcha e Bandeirantes, atua há 20 anos no radiojornalismo esportivo de Porto Alegre. É doutorando em Comunicação pela PUCRS, mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS, tem especialização em Jornalismo Esportivo pela UFRGS e graduação em Jornalismo pela PUCRS. Autor do livro "O comentarista esportivo contemporâneo: novas práticas no rádio de Porto Alegre", lançado em 2018. Nem sempre escreve sobre futebol.

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