A meu amigo Goulart

Por José Antonio Vieira da Cunha

Meu amigo Antonio Goulart, jornalista de trajetória irretocável e que merece com razão o reconhecimento dos colegas que com ele conviveram, está aposentado, mas segue atento e ativo. É dono de um texto elegante e preciso, e com ele fez observações a respeito da coluna da semana passada. Esclarece que não é defensor de Jair Bolsonaro, autor de "muitos erros, além de posturas arrogantes e destrambelhadas, e também acertos, é preciso reconhecer". O ponto de sua carta está centrado em decisões e atos do Judiciário e da Imprensa. 

Concorda comigo que esta foi execrada e ofendida pelo primeiro mandatário durante seus quase quatro anos de governo, mas faz a ressalva: "Numa análise isenta, em momento algum ele tentou impor algum tipo de censura", assim como "não consta que tenha processado um único jornalista".

Em relação ao Judiciário, Goulart entende que "a livre manifestação do pensamento, consagrada pela Constituição foi vista com restrições, muitas vezes, por magistrados", e sobre isso eu não fiz alusão na coluna. Escreve meu amigo, neste desabafo que precisamos respeitar:

- Cá entre nós, Vieirinha, a imprensa em geral não esteve à altura da gravidade do momento que o país viveu e ainda vive. Foi omissa, para não dizer que, algumas vezes, acovardou-se, diante de certas posições tomadas por aqueles que comandam o STF e o TSE. Parece que todo mundo - judiciário, imprensa (com raras exceções) e os milhões de fanáticos lulistas - tinham um único objetivo: tirar Bolsonaro do poder de qualquer jeito. Foram flagrantes os casos de censura, como ocorreu com um jornal do Paraná, com a Jovem Pan, com a produtora Brasil Paralelo, além de inúmeros blogues independentes.

Mais adiante se diz inconformado com o fato de o adjetivo "bolsonarista" ter se transformado "num estigma para desqualificar ou incriminar qualquer pessoa". Cita o exemplo da deputada Zambelli ter sido identificada como "deputada bolsonarista, armada de revólver", em chamada da Globo; no seu entender, "a forma isenta seria dizer 'deputada federal', deixando os outros detalhes, como nome e tendência partidária da parlamentar, para o corpo da notícia". Avança para uma análise dos comentaristas da Globo News, que deixam de lado o contraditório para adotar uma posição única, a de ser "contra Bolsonaro, em todas as circunstâncias". "Em seus espaços não se ouve uma só voz discordante", avança, citando inclusive o noticiário sobre o governo federal, a respeito do qual "tudo vira motivo crítica, de ironias e até de galhofas".

Vamos ter de sentar para tentar encontrar convergências, meu caro Goulart. Há sim uma certa má vontade de jornalistas para com o atual presidente, mas, convenhamos, além de se apresentar como inimigo público número um da imprensa, Bolsonaro deu n razões para que as atenções fossem focadas em seus erros, desvios e desvarios. Nada é de graça quando se trata de publicar notícias sobre alguém que faz questão de confundir religião com governo, ofende jornalistas, especialmente se forem mulheres e agride a sabedoria da ciência, não faltam episódios lamentáveis assim. Como compete à imprensa fiscalizar os atos de agentes públicos, e disso não vamos discordar, não há como ter complacência quando se trata do maior mentiroso que já sentou na cadeira da presidência da República.

Só na CPI da Covid, que foi política, como não poderia ser diferente, estão apontados nove graves crimes cometidos por Bolsonaro: prevaricação, charlatanismo, leniência na pandemia com resultado de morte, infração de medidas sanitárias, emprego irregular de verba pública, falsificação de documentos particulares, crime contra a humanidade, crimes de responsabilidade por violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo.

Tem mais no currículo do capitão, que ofendeu ministros do STF e ameaçou não cumprir ordens do Judiciário (que levante estúpido seria este, hein?), foi homofóbico, misógino e xenófobo, agredindo chineses e cubanos, e disseminou incontáveis notícias falsas, especialmente e barbaramente no período da pandemia. Foi criminoso em relação ao respeito à democracia e à Constituição e apoiou manifestações antidemocráticas pedindo o fim do STF e intervenção militar, aquela que, caso acontecesse, caracterizaria na verdade um verdadeiro Golpe Tabajara. E agora avançou em crimes eleitorais, como a história provará, a começar pela orientação para uma ação vergonhosa da Polícia Rodoviária Federal, antes tão respeitada e hoje manchada pelo que fez antes e depois das eleições.

Não leve a mal, amigo Goulart, mas o presidente Bolsonaro só está colhendo o que plantou.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

Comentários