A primeira vítima
“Em tempos de guerra, a verdade é tão preciosa, queprecisa ser protegida por uma muralha de mentiras.” (Winston Churchill) Nos anos 40, os filmes …
"Em tempos de guerra, a verdade é tão preciosa, que
precisa ser protegida por uma muralha de mentiras."
(Winston Churchill)
Nos anos 40, os filmes de guerra de Hollywood nos apresentaram um novo glamoroso e romântico personagem - o correspondente de guerra. Geralmente, era um galã que fumava Lucky Strike e dedilhava sua Remington portátil, enquanto balas silvavam sobre seu capacete mal ajustado. Mas a guerra nem sempre foi em Technicolor: da Revolução Francesa à Guerra do Golfo, os jornalistas enviados à linha de frente foram testemunhas - ou protagonistas - de farsas políticas e desastres militares. O senador americano Hiram W. Johnson resumiu tudo, citou Ésquilo, o dramaturgo do século IV, ao expressar seu desencanto ao ler os relatos sobre a I Guerra Mundial:
"A primeira vítima da guerra é a verdade".
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O escritor Ernest Hemingway - quem mais? - personificou à perfeição o papel do jornalista/aventureiro. Em sua obsessiva busca pelo perigo, foi motorista de ambulância na Itália na I Guerra, cobriu a Guerra Civil espanhola e acompanhou a libertação de Paris. No mesmo dia, embarcou em um jeep do exército, com a câmera em um ombro e a Thompson no outro e invadiu o bar do Ritz, proclamando sua libertação.
Se os relatos de guerra de Hemingway pouco somaram em sua bagagem literária, ajudaram a construir sua áurea de herói. Mas ele soube usar a experiência na Espanha para produzir um dos grandes romances de guerra, "Por quem os sinos dobram". No entanto, Ernest Hemingway não foi um pioneiro - 80 anos antes, dois jornalistas, William Furay, da Cincinnatti Gazette, e J. A. Daugherty, do Louisville Journal, arriscaram a pele em Gettysburg, na Guerra Civil norte-americana e até disputaram a socos a vez de usar o telégrafo para enviar seus boletins.
E ao tempo de Hemingway, os ingleses Rudyard Kipling e H.G.Wells escreveram sobre a I Guerra Mundial e Evelyn Waugh acompanhou a invasão da Abissínia, pela Itália de Benito Mussollini.
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O escritor Phillip Knightley, do The Sunday Times, pesquisou a fundo o trabalho dos jornalistas que cobriram dezenas de guerras, desde a Criméia até o Vietnã, passando por dois conflitos mundiais. O resultado é uma sequência de desassombros e gestos heróicos, mas também registra monumentais erros e omissões.
Em setembro de 1917, Roberto Wilson, correspondente do The Times em Moscou, pensou que tudo estava calmo na Rússia e saiu em férias - e descansava em Londres, quando os bolcheviques tomaram o poder. Durante a mesma Revolução Russa, o enviado do The New York Times noticiou repetidamente que os bolcheviques estavam derrotados.
E foi somente muitos meses depois do final da I Guerra que os jornais da Europa revelaram a extensão da tragédia da batalha do Somme, onde morreram 600 mil soldados aliados. O livro de Phillip Knightley registra que, em tempos de guerra, ditaduras e regimes fortes costumam omitir as derrotas e os fracassos, substituindo-os por vitórias e heróis.
Mas o autor também conta estórias exemplares, como o caso do inglês Aloysius MacGahan, que publicou no Daily News o massacre de milhares de búlgaros por tropas turcas em 1877, precipitando o início da guerra russo-turca. O documento Dez Dias que Abalaram o Mundo, de John Reed, serviu para abrir os olhos do Ocidente sobre o significado da Revolução Russa de 1917. E os relatos do italiano Luigi Barzini sobre as estratégias da guerra russo-japonesa de 1904 são tema permanente nas escolas de Estado-Maior.
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Os problemas de comunicação ao tempo da Guerra Civil e da I Guerra não mais existem. As fotos da Guerra do Vietnã chegavam aos jornais em 24 horas e a Guerra do Golfo foi transmitida em tempo real pela TV. Mas, mesmo na era da comunicação digital, a influência dos donos do poder ainda continua presente. Na guerra, o jornalista anda sobre o fio da navalha - qual sua prioridade? Mark Twain já deu a resposta: "Lealdade ao meu país, sempre. Lealdade ao governo, quando ele merece".
Graças à sua passagem pelas trincheiras, o jornalista Ernest Hemingway não se deixava iludir. Em "Notas sobre a próxima guerra", ele definiu:
"Nenhum catálogo de horrores jamais impediu que os homens fossem à guerra. Antes da batalha, você pensa que não será você que vai morrer. Mas, se ficar lá por muito tempo, você vai morrer, meu irmão. Nos velhos tempos, eles escreviam que era doce e aceitável morrer pelo seu país. Na guerra, não existe nada doce e aceitável em sua morte. Você morrerá como um cão, sem nenhuma boa razão para isso".