A última de Borges

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Muitas coisas são herdadas, mas a

coragem tem que ser conquistada".

Jorge Luis Borges.

Os antigos acreditavam que gravar em pedra o nome de seus mortos os protegiam do esquecimento. Guerreiros e príncipes eram depositados em sarcófagos esculpidos em mármore, enquanto os menos afortunados repousavam sob lápides de pedra. O poeta Jorge Luis Borges se confessava fascinado por monumentos mortuários e mantinha o hábito de passear pelo cemitério de La Recoleta, em Buenos Aires, lendo mensagens em lápides e mausoléus.

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Quando em Lisboa, Jorge Luis Borges costumava admirar as relíquias incrustadas na fachada de um prédio na Baixa. Ali pode se ver quatro grandes lápides de pedra do tempo da dominação romana com inscrições ainda não inteiramente decifradas por arqueólogos e historiadores.

Por coincidência - ou seria por pura coerência? - pouco antes de morrer na Suíça, o poeta escolhe os signos e inscrições que deveriam ser gravadas para em sua lápide mortuária. O desejo foi atendido e uma lápide semelhante às pedras de Lisboa foi colocada em sua sepultura, no antigo Cemitério dos Reis, em Genéve. Por mais de dez anos, o episódio permanece esquecido. Até que um jornal de Buenos Aires publica fotos da sepultura e da lápide romana de Borges. Como não podia deixar de ser, as fotos desencadearam uma ruidosa - e portenha - polêmica sobre o significado da última mensagem do poeta.

Naturalmente, não faltaram opiniões e interpretações das mais variadas, proferidas por estudiosos e especialistas. Houve os que lembraram dos ancestrais crioulos do poeta e de seu avô, um coronel Francisco Borges, que morreu na batalha de La Verde, anunciando que estava em busca da honra e da glória. O que reflete uma das ambições do poeta: morrer sem medo.

O heroísmo borgeano continua em alguns de seus contos como "Ulrica", onde ele evoca antigas sagas medievais. Portanto, não deve ter sido por acaso, que a pedra de Genéve mostra um barco viking e seus guerreiros acima de uma inscrição sobre espadas desembainhadas e coragem dos heróis.

Como conclusão, caberia citar uma frase tipicamente borgeana, retirada de "O Livro de Areia", que foi escrito pelo poeta aos 75 anos:

"Certos crepúsculos e certos lugares querem

nos dizer algo, ou dizem aquilo que não

devemos tentar entender (...)".

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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