A velhice e os sinais que me acompanham

Por Márcia Martins

02/10/2025 10:45
A velhice e os sinais que me acompanham

Descobri recentemente, e de forma irreversível, mas não tardiamente, que estou velha. Os sinais já me acompanhavam há algum tempo, mas de uma maneira alheia a minha vontade, eu tentava escamotear tal situação. E nem me dava conta. Ou fingia não entender (o que pode ser mais provável). Não foram somente as rugas no rosto que indicavam o avançado da idade. Nem os fios de cabelos brancos que insistem em aparecer sem nenhum convite formal. Nem mesmo os barulhos estranhos do corpo quando faço algum movimento mais brusco.

Embora eu estivesse, há algum tempo, frequentando as filas de idosos nos bancos, supermercados e farmácias, a ficha (digamos assim) não tinha caído. Mas considero o fim da várzea entrar em fila de idosos em loterias, por exemplo (coisas de Marcinha). E embora muitos jovens já tenham me oferecido o lugar preferencial no transporte público, a ficha não tinha caído. E embora em muitos estabelecimentos comerciais as pessoas já me chamassem de senhora, a ficha não tinha caído.

A comprovação da velhice chegou derradeiramente um dia destes qualquer. Assim como quem nada quer. Foi quando, na rodoviária de Porto Alegre, ao comprar um livro de palavras cruzadas, ouvi de uma consumidora que estava na loja que sua mãe era fã deste tipo de publicação. "A minha mãe gosta e eu incentivo porque nesta idade é muito bom para prevenir o Alzheimer", disse toda íntima a moça que aparentava uns 40 anos. E eu, imediatamente, naquele instante, perdi a vontade que eu tinha de ocupar meu ócio com aquele passatempo.

Mas, é evidente que os indícios da idade avançada (para não repetir velhice no texto tantas vezes) já se manifestavam em diversas situações. Quando ao receber um convite para algum aniversário eu procuro logo saber se terá lugar para sentar, se será em local coberto e o tipo de música. Atestado certo da idade avançada. Ou quando começo a preferir marcar com amigos e amigas para almoçar ou tomar café de tarde ao invés de encontros noturnos. Atestado certo da idade avançada. Ou quando os membros emitem sinais diferentes e eu jurava que estava ficando crocante. Ou quando preciso esconder mensalmente os cabelos brancos. Atestados certos da idade avançada.

No meu caso, em particular, eu mesma já assinava os meus atestados de idade avançada sem perceber. Quando falo, em alto e bom som, que não posso realizar determinada atitude porque "não tenho mais idade para isso". Nada mais cruel e determinante da velhice do que tal frase. Ou quando solto a sentença terrível: "no meu tempo não era assim". Sem comentários.

Juro para vocês (leitores e leitoras) que a velhice tem sim algumas vantagens. Muito além da tal experiência acumulada (blá, blá, blá). Não é preciso mais ter tanta paciência. Exceto com nós mesmos. Não é necessário buscar a perfeição. Estamos cansadas de saber que ela não existe. Podemos errar e está tudo bem. Sejamos imperfeitos. Ninguém irá nos repreender. É permitido ser intolerante com os outros. Mas devemos exercer a tolerância ao máximo conosco. Podemos sim rir até ficar com dor e chorar sem limites. Não devemos explicações. E, finalmente, passamos a ser menos exigentes com limpezas, arrumações e outras regras.

O mais importante, quando ultrapassamos a casa dos 60 anos (sim, hoje eu assumo a idade, o que antes era improvável), é viver cada dia como se fosse o primeiro de nossa vida. Sem pensar no antes e no futuro. Sorrir muito, dançar em casa mesmo sozinha, manter os afetos alimentados, jamais abandonar as utopias que persistem. E, principalmente, jamais permitir que os sonhos que nos perseguem, os desejos que ainda pulsam e as paixões que não adormeceram, envelhecerem. É o segredo.

 

Pelo 1º de outubro, Dia Internacional das Pessoas Idosas.