Coopítulo 54 - De jornalistas e jornais (II)

Por José Antonio Vieira da Cunha

Se é nos pequenos frascos que estão os melhores perfumes, como exalta a sabedoria popular, também pequenas notas jornalísticas são capazes de conter preciosidades. Em meados dos anos 70, corria solta a vigilância do regime militar sobre o posicionamento dos jornais, daí a relevância do relato que o Coojornal registrou para a história sob o título "Órgãos da RBS não conhecem censura". Trazia uma declaração de Maurício Sirotsky Sobrinho, então dono e principal liderança do grupo empresarial gaúcho, ante a Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados em Brasília, em outubro de 1975.

Pouco tempo antes a televisão do grupo RBS apresentara em um programa ao vivo uma modelo trajando o inusitado e ousado monoquíni, lançado como roupa de banho que deixava os seios descobertos. A exibição repercutiu como um escândalo, alimentado pela ação do secretário estadual de Justiça, Paulo Brossard, que puniu a emissora tirando-a do ar por um dia. Maurício falou para os deputados:

- Ao longo de toda sua existência [iniciada em 1964] a Rede Brasil Sul teve somente um problema com a censura, gerado mais por um problema de ordem emocional do que de censura propriamente dita. Foi no lançamento da moda do monoquíni. A RBS tem promovido debates políticos sem que se registre qualquer problema com a censura. 

Era uma época delicada aquela, quando todos os jornais estavam de olho em uma ação judicial contra a censura movida pelo O Estado de S.Paulo. O diário alegava, com razão e propriedade, prejuízos por ter sido impedido inúmeras vezes de publicar notícias com informações a seus leitores, que eram vetadas por censores que batiam ponto na redação. Em vez de informação, o espaço era substituído pelo Estadão por versos de "Os Lusíadas", de Luís de Camões, enquanto o caçula do grupo, o Jornal da Tarde, ironizava ainda mais, publicando receitas de doces e bolos. Ao contrário de outros jornais, o Estadão recusou-se a fazer autocensura, o que implicava em receber diariamente a visita indesejada do censor, que revisava in loco todos os textos e, a seu exclusivo juízo, decidia o que deveria ser ocultado dos leitores.

O procedimento corajoso valeu ao Estadão o Prêmio Pena de Ouro da Liberdade, conferido em 1974 pela Federação Internacional de Jornais. Tudo acabou em 3 de janeiro de 1975, véspera do centenário do jornal. E da forma mais simples e covarde possível: um telefonema da Polícia Federal informou secamente que os agentes não iriam mais à redação.

Registros como este marcavam o acompanhamento que o Coojornal também exercia sobre o que se passava em nível nacional. Um bom exemplo é o destaque dado à informação sobre os 10 maiores grupos de comunicação, revelando que a Editora Abril era o principal, seguida pelo O Estado de S.Paulo e o Grupo Folhas, com a Caldas Júnior na sétima posição. 

Uma atenção especial foi dedicada ao Versus, "um jornal com reportagens, ideias e cultura", como foi apresentado ao chegar às bancas do país em novembro de 1975. Era tocado pelo gaúcho Marcos Faermann e na primeira edição trazia um repórter argentino narrando como foi condenado à morte e um pensador francês discursando sobre sexualidade. A proposta do mensário era tratar o homem latino-americano como um só, com seus problemas e aspirações. Logo se tornou um dos grandes sucessos da imprensa alternativa nacional.

Uma rica reportagem numa das primeiras edições do Coojornal detalhava como Sílvio Santos e não o Jornal do Brasil ganhou uma concessão de televisão, o Canal 11 do Rio de Janeiro, vencendo os outros três pretendentes: Editora Bloch, que depois ganharia a TV Manchete; a editora dos jornais Diário Popular, O Dia e A Notícia, no Rio; e a Fundação Cásper Líbero. Sílvio Santos teria ganho porque era considerado um dos poucos empresários da comunicação em condições de fazer frente ao monopólio da Globo, que, na ditadura como na democracia, não tinha a simpatia dos governantes de plantão. Os jornalistas, de qualquer forma, aplaudiram com entusiasmo: a lenda que corria na época indicava que o homem do baú costumava pagar bons salários. Hoje é conhecido por pagar salários astronômicos a suas estrelas principais e por ter reduzido em 25% os salários de seus funcionários em maio de 2020, assustado com as consequências da pandemia. Mas esta é outra história...

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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