Curadoria e liderança

Por Flavio Paiva

Hoje a falta de referências é total. Pela volatilidade (ou liquidez) do que acontece, quanto mais novas as pessoas, maior tende a ser a falta de referências. Mas isso não é privilégio das pessoas mais novas não, só acontece em maior escala entre elas.

E o que eu chamo de falta de referência? A dificuldade, diante de um cenário de bilhões de inputs por segundo, de organizar as informações conforme sua relevância e também estrutura um sistema de compreensão do que está acontecendo. 

E por quê isso está acontecendo? A parte mais conhecida é essa, a razão. A vida, ao longo dos séculos, se organizava muito pelo ritmo da Natureza, clima, cheias, safras. Depois passou a ser pautada pelas invenções, ali pelos séculos XIX e XX. Então, veio a invasão dos elétrons e suas nuvens, unido à queda do Muro de Berlim e o fim das referências utópicas e das certezas.

Aproximando mais em termos de tempo, com a internet e a criação de mídias sociais e formas de as pessoas interagirem de segundo em segundo, as referências se fragmentaram ainda mais. Parafraseando Carlos Heitor Cony, no título de sua autobiografia, as pessoas estão Elas, aos Pedaços. (o título original do livro é Eu, aos Pedaços). 

Então, o que passou a ser realmente valor? A certeza ou a fantasia dela. Diante de um cenário que se organiza, desorganiza e reorganiza a sua aparência, aqueles que fazem perguntas passaram, de uma certa forma, a serem mal vistos. As pessoas, perdidas que estão, não querem alguém que pergunte, mas que dê respostas. O problema foi que as respostas passaram a ser superficiais e sem consistência, numa grande escala. Especialistas de tudo, Doutores de Certezas. 

Tanto é que o número de pessoas que passou a ter opinião em absolutamente tudo, se agigantou. Não só ter opinião, mas manifestá-la na forma de certeza, como se fosse especialista e experiente no assunto, indo da medicina à previsão do tempo, do futebol à fabricação de perfumes.

Então, quem são as pessoas que realmente fazem a diferença? Os curadores. Aqueles que por terem ou mais conhecimento, ou mais experiência, ou capacidade de organizar e processar os bilhões de inputs de forma mais organizada, conseguem enxergar o que está acontecendo. 

Isso porque mesmo que muitos séculos tenham se passado, o ser humano na essência, mudou pouquíssimo, se é que mudou. Continua brigando por poder (e por dinheiro, que na maioria das vezes vem associado) e, uma vez que tenha poder, exerce de forma a perder a sua própria identidade, se tornando até irreconhecível. Falo daqueles que se deixam corromper pela sedução do poder. 

Então, pessoas capazes de fazerem a curadoria, a análise, o aprofundamento no que está acontecendo na nossa realidade, esses são os verdadeiros líderes. Capazes de guiar as pessoas numa direção mais inteligente.

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