Das últimas caminhadas pelo Bom Fim como responsável pelo PIB do bairro

Por Márcia Martins

O final de semana lindo, ensolarado e com uma temperatura amena foi convidativo para uma longa caminhada pelo Bom Fim, bairro que me acolheu de uma maneira tão intensa e carinhosa, de 1981 a 1991 e de 2002 até hoje, que sempre me senti a mais nativa do local. No sábado, perambulei feito uma turista daquelas bem curiosas pelas ruas onde morei (Tomáz Flores, Fernandes Vieira, Felipe Camarão e Barros Cassal), como se todas as suas paisagens me fossem estranhas. No domingo, gastei as solas do par de tênis de tanto ir e voltar inúmeras vezes a namorar feito adolescente deslumbrada a magia e a beleza das barracas do Brique que leva o nome da Redenção, mas que se espalha despudorado pela José Bonifácio.

Nos dois dias ao percorrer as vias que já me abrigaram como moradora, rever os prédios que escondem parte da minha história de adolescente e depois de adulta, os bares que me receberam como baladeira, as confeitarias culpadas pelos quilos a mais e os cafés que esquentaram as minhas tardes frias, tive a certeza de que jamais nada irá conseguir me separar do bairro. Ou como dizem: "eu saio do Bom Fim, mas o Bom Fim não sai de mim". Ao relembrar em cada esquina, em cada canto, em cada ponto do Parque da Redenção uma cena do meu passado vivendo sem medo de ser feliz, desfilando uma barriga que preparava outra pessoa ou levando a minha filha Gabriela para brincar no parque de diversões, tive uma dor infinita do bairro que tanto adoro.

Muito em breve, talvez em 15 dias, eu não seja mais uma moradora do Bom Fim. Alguns leitores e algumas leitoras sabem, mas partindo da presunção de que posso conquistar novos seguidores aqui no portal, repito que estou de mudança. A minha filha Gabriela mora, há uns quatro meses, no apartamento da sua namorada. E eu, por motivos de economia e espaço desnecessário, preciso desocupar o apartamento que alugo já 12 anos. Confesso que sou um pouco exigente. Ou chata, se preferirem a verdade nua e crua. Por isso, olhei mais de 17 apartamentos (destes, uns 14 aqui no bairro). Avaliei os prós e contras. Pesei as diferenças financeiras. Estudei as possibilidades das vizinhanças. Fiz e refiz as contas.

E depois de muito avaliar, encontrei um apartamento que me encantou, mas que não se localiza no Bom Fim, embora mantenha um namoro à distância com o bairro. Como os rituais da mudança parecem encaminhar-se para a fase final, logo devo transferir-me para a Cidade Baixa. Deixarei muitas lembranças na Tomáz Flores, na Fernandes Vieira, na Felipe Camarão e na Barros Cassal, onde habitei em dois endereços diferentes. Mas usarei a experiência que ganhei desbravando o Bom Fim para conhecer a nova rua que irá me receber e que é tão poderosa que atravessa quatro bairros (Bom Fim, Santana, Farroupilha e Cidade Baixa).

Com persistência e foco, vou me empenhar em caminhadas pelo novo bairro, a fim de saber de olhos fechados e sem errar, como faço no Bom Fim, onde se localiza cada mercadinho, cada casinha acolhedora, cada café mais charmoso, cada restaurante mais barato, cada boteco e cada ponto da nova rua. As mudanças, ainda que pouco se mude, transferindo-se para bairros vizinhos, são essenciais para renovar não só os móveis, mas trocar os retratos de lugar, tirar a poeira dos guardados, desapegar de situações que podem estar pesadas, revirar lembranças e, principalmente, reinventar rotinas.

O certo é que serão as minhas últimas caminhadas como moradora e responsável pelo crescimento do PIB do Bom Fim. Mas seguirei idolatrando o bairro, descobrindo novos cantos e encantos e embalando na rede da memória as lembranças dos meus melhores momentos. Seguirei sempre olhando o mapa do Bom Fim como quem examina a anatomia de um corpo, e nem que fosse o meu corpo...

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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