De determinação

Por Vieira da Cunha

03/11/2025 10:25
De determinação

A plateia aplaude com entusiasmo. A palestra teve apenas 18 minutos, como exigido pelos organizadores do evento, mas cada palavra atingiu em cheio o alvo pretendido. Toma metade do copo d'água, desabotoa o casaco e acena para aquelas pessoas que sorriem, aquele sorriso amigável que, mais do que educado, é cúmplice. E dá ao orador a certeza de que é mesmo isso, um bom orador.

Nem sempre foi assim. Houve um tempo em que nem ao lado de um amigo ele conseguia falar com naturalidade. "Te-te-tenha co-comigo a cer-certeza de que nós... nós va-vamos con-conseguir che-chegar lá." Era assim que se manifestava, em qualquer ambiente. As palavras tropeçavam umas nas outras, como se cada sílaba fosse uma barreira. O constrangimento era constante, e o rosto corava com frequência, traído por uma gagueira aguda que parecia não ter fim. Havia momentos em que o rosto perdia a cor, tamanho o medo.

Na gagueira, o tempo é tudo. O atraso de frações de segundo na pronúncia de sons e sílabas rompe a fluidez da fala. É como se a parte do cérebro responsável pela fala decidisse demorar-se, perdendo o compasso da conversa. Aí não há harmonia na forma, o resultado é um som interrompido, palavras que pipocam de maneira descontrolada em um maremoto de frases partidas ao meio. A inibição assume o controle, a timidez se instala com determinação implacável, e pronto, a insegurança toma conta da pessoa. E o estrago está feito, no corpo e na alma.

O bullying na escola era inevitável. Gaguinho, claro, era o apelido arrasador. Colegas zombavam, impiedosos, imitando seus bloqueios com risos abafados, alguns até escancarados, insensíveis a seu desconforto. Ele tentava ignorar os mais crueis, repetindo para si mesmo: "Tenho que ignorar esses ignorantes. Não posso sair do sério." Às vezes funcionava, outras vezes, não. Então o desânimo era tal que drenava toda sua energia.

Ainda assim, havia sempre um ou outro que lhe oferecia um ombro amigo. Era uma presença silenciosa, mas poderosa, como uma muleta invisível mais firme do que qualquer apoio físico. Um desses era o colega ao lado na sala de aula, que o ajudava nas leituras em voz alta. 

Hoje tem prazer renovado ao dedicar parte das férias a visitar o avô no interior. Como agora, nesta preguiçosa tarde de verão. Sentado em sua cadeira de balanço favorita, o velho tem prazer em relembrar o que vaticinou: "Você só precisa de tempo. Todo mundo tem o seu."

Foi o avô quem tinha observado: na infância, os silêncios são mais longos do que os discursos. Então aprendeu a observar, a ouvir, a medir o mundo antes de falar. Colecionava palavras em segredo, palavras que um dia iria exclamar com clareza, com firmeza, com liberdade. Sem a ansiedade que parecia querer explodir.

Décadas depois, superadas incontáveis horas de terapia, treino vocal e enfrentamentos internos, é a autoconfiança conquistada que lhe permite hoje encarar auditórios como quem sobe a uma tribuna romana. Fala com energia, carisma e uma cadência que, por vezes, beira o populismo retórico. E cada frase bem colocada, cada risada sincera da plateia, é uma pequena vitória sobre o menino de fala embargada que um dia teve medo de dizer seu próprio nome em voz alta. E que agora fala sem o peso do suor nas mãos, sem o nó na garganta, sem a ansiedade que flutuava à beira de uma explosão a cada sílaba pronunciada.