De perto ninguém é normal

Por Flávio Dutra

29/07/2019 13:13

A interceptação de conversas privadas das mais altas autoridades do País leva a duas conclusões, uma alarmante e outra positiva. A alarmante: nunca foi tão fácil hackear quem quer que seja. Quatro chinelões grampearam mais de mil pessoas, do presidente e sua família a membros do Congresso e do Judiciário. A positiva: a divulgação de conversas hackeadas transformou o Brasil num país transparente por excelência. Sabe-se de todos e de tudo na República, onde de tédio não se morre.

Um dos meus interlocutores nas caminhadas pelo calçadão de Ipanema enxerga neste segundo aspecto o grande mérito da ação ? criminosa, é importante que se frise ? dos meliantes envolvidos no caso e atualmente presos na Policia Federal. Entende ele que a população tem todo o direito de saber o que pensam e como agem as autoridades, inclusive e principalmente as do mais alto escalão da República.

No caso do presidente Bolsonaro entendo eu que isso é absolutamente irrelevante. O que pensa, quais suas intenções, suas idas e vindas nas decisões, de quem gosta e a quem rejeita, é expresso claramente pelo presidente nos seus pronunciamentos e nas frequentes postagens nas redes sociais. Mais transparência impossível. E que evolução para o País. Estou sendo irônico, esclareço.

Outro interlocutor eventual no calçadão, figura de grande projeção no meio jurídico e, por isso mesmo, com alto potencial de hackeamento, ao ser provocado sobre a interceptação de mensagens de autoridades, afetou tranquilidade. ?Comigo ficariam frustrados com o resultado?, respondeu. Entretanto, o provocador acha que este argumento reforça a posição que defende intransigentemente: se os conteúdos dos vazamentos não são reveladores de questões escabrosas, não deveriam ser também motivos para queixas e ameaças de censura. Se não há o que esconder, não há do que reclamar.

Sei, não. ?De perto ninguém é normal?, canta Caetano Veloso e essa é uma verdade até para os ministros do STF, certamente em polvorosa a essa altura com a informação de que parte da corte teria sido alvo da quadrilha. Já eu estou de boa, embora me sentindo discriminado e cidadão de segunda classe por ter sido solenemente ignorado pelo quarteto ou seus asseclas. Mais de mil hackeados e eu continuo invicto, como postei no Face. Pensando bem, melhor assim. Imagina se vazam conversas menos civilizadas ? mas fora do contexto, como é comum alegar - com alguma caldável, o que vou ter que dar explicações! Me deixem fora dessa.