El Silbador

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"El mar escucha como un sordo

es insensible como un dios

y sobrevive a los sobrevivientes."

Mario Benedetti, "Poemas del Alma".

Era um lugar desolado, um imenso oceano de dunas, fustigado dia e noite pelo vento sul. Quando o fazendeiro Laureano Rocha lá chegou, por volta de 1935, com seus dez filhos, quase desanimou. Mas se obrigou a ficar, já que não tinha volta - sua fazenda em Vuelta del Palmar estava invadida pelos charruas. Ele escolheu o alto do Cerro e ali plantou uma figueira e seu rancho. Mais tarde, fincou uma placa nas dunas para sinalizar aquele lugar esquecido de Deus:

"Punta del Diablo".

Quase 90 anos depois, a remota praia na costa do Atlântico se tornaria uma das mais pitorescas atrações turísticas do Uruguai, por manter o charme de aldeia de pescadores. Mas a magia do lugar ainda se vincula às lendas e estórias, algumas ligadas aos grandes tubarões que infestam seu mar. Nos anos 40, os filhos de Laureano Rocha em uma viagem a Montevidéu descobriram que os negociantes do porto pagavam alto preço por barbatanas de tubarão. Intrigados, foram se informar melhor sobre a novidade. E descobriam que os tubarões de Punta del Diablo eram uma mina de ouro, pois suas barbatanas eram ricas em vitamina A, muito rara na época e procurada pelo Exército dos Estados Unidos para prover energia aos soldados que lutavam na II Guerra Mundial.                                                      

Em pouco tempo, pescadores de toda parte começaram a chegar para caçar tubarões. E Punta del Diablo passa a ser conhecida em todo o Uruguai, atraindo veranistas e novos moradores.                       

Nos anos 50, uma fazendeira milionária de Maldonado, manda construir uma imponente mansão de pedra nos altos do Cerro de la Viuda. A dama, cujo nome não se sabe, foi seguida por famílias do campo em busca de um lugar de veraneio. Em 1968, em um incidente ainda não esclarecido, ela morre afogada diante de sua mansão. Surge então uma das menos conhecidas estórias de pescadores do litoral uruguaio - a lenda do El Silbador, que fala de um homem alto e magro que aparece à noite, com um chapéu de abas largas, que esconde sua face esquelética.

Dizem que vagava pela praia onde a dama milionária se afogara, com ombros caídos e olhos fitos no mar. E sempre com uma bolsa às costas, onde carregava ossos dos marinheiros afogados no mar de Punta del Diablo. E, como todas as estórias de pescadores a lenda cresceu com o tempo, fazendo do assoviador um ente sobrenatural, quase bíblico. Há alguns anos atrás, ainda era possível ouvir pescadores afirmarem que o personagem gostava de atacar os que vagavam pela praia à noite, especialmente os bêbados e adúlteros. Diziam ainda que apesar de seu assovio ser ouvido alto e próximo, ninguém conseguia saber de onde vinha. E ao contrário da lógica, quando o som diminuía e parecia se distanciar, era quando o El Silbador estava mais perto.

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Mas hoje em dia, tudo está mudado, as agências de viagem conduzem alegres grupos de turistas em visita à antiga vila de pescadores, com parada na mansão de pedra, ao farol e a pista de pouso, muito usada por aviões de fazendeiros a caminho de Punta Del Este. No entanto, se um viajante pernoitar na vila e arriscar um passeio à noite pelas dunas do Cerro de la Viuda, talvez ouça à distância um assovio que virá de um passado distante.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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