Esquecer e perder

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Esquecer é perder para sempre".

Gabriel Garcia Marquez.
 

Aquela foi uma experiência que não gostaria de repetir. Assistir na TV os mexicanos celebrar o Dia dos Mortos pode até parecer divertido, mas ao vivo, é assustador. Imagine multidões cantando e dançando em ruas, praças, varandas, janelas e em igrejas.  Homens, mulheres, velhos e crianças usando fantasias de esqueletos e máscaras de zumbis tentando acordar os mortos, com apitos, bumbos, tantãs, zabumbas e maracas.

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Vi atarantados turistas correndo em busca de refúgio em seus hoteís, onde foram recebidos por alegres grupos de mariachis com seus trumpetes ensurdecedores. Para quem se acostumou aos velórios tradicionais e suas reverências silenciosas, não entende festajar os falecidos com música estridente, comida apimentada e litros de tequilla. Na literatura latino-americana e caribenha, a Morte e o Esquecimento são temas constantes. Otávio Paz e Gabriel Garcia Marquez muito escreveram sobre os cultos mortuários herdados de astecas e maias. Para Otávio Paz,

"Os moradores de Nova York, Paris e Londres, raramente falam palavra Morte, porque lhes queima os lábios. Não para caribenhos e mexicanos, que brincam com ela, a acariciam e a festejam como um brinquedo favorito. Mas um amor que esconde o medo, disfarçado com ironia:

"- Se vão me matar amanhã, que me matem de uma vez".

Na Colombia, também se brinca com o tema com a mesma irreverência. Gabriel Garcia Marquez confirma:

" -Terei tempo de sobra para descansar quando morrer, mas agora estou ocupado com outros assuntos".

Nossos escritores e poetas também visitaram os cemitérios e os velórios. Em uma sexta-feira, 13, Erico Veríssimo nos levou a Antares quando sete mortos vagavam insepultos pelas ruas. E o pernambucano Manuel Bandeira em "Cinza das Horas" reflete sobre o esquecimento, que muito o assustava:

" Quero morrer tão completamente que um dia, ao lerem meu nome num papel perguntem:

"Quem foi??".

Quase ao final de sua vida, o gaúcho Mário Quintana deixou de lado sua habitual delicadeza, adotando uma certa melancolia, sem perder o lirismo:

" Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, eu sou o mais desnudo,

o que não tem mais nada.
Arde apenas um toco de vela amarelada,
Como único bem que me ficou"

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Autor
O colunista é um veterano jornalista e publicitário. Assina uma coluna no Coletiva desde 2005. Foi repórter e redator nos jornais A Hora, Jornal do Comércio, Folha da Tarde e Correio do Povo. Como publicitário, atuou na MPM Propaganda nas sedes de Porto Alegre, do Rio de Janeiro, de São Paulo e também em Nova York, durante o convênio MPM / N.W.Ayer Advertising. Criou e redigiu comerciais e anúncios para Ipiranga, Renner, Banco do Brasil, Embratur, I Love New York, Pan American World Airways e American Airlines. Diretor de Comunicação do Grupo Iochpe, foi co-fundador do CENP, a entidade de normas éticas para anunciantes e agências de publicidade. Em 2021 publicou o livro de memórias 'Entre Dois Verões' - já esgotado - contendo 30 crônicas sobre sua infância nos campos do Sul e na Porto Alegre dos anos 50. Agora, volta à cidade em seu segundo livro, 'Um Rio Portas Adentro', onde registra e relembra as grandes cheias que assolaram a cidade em 1941 e 2024 e presta tributo a algumas das personagens mais singulares e sedutoras que agitaram Porto Alegre em seus anos dourados. E-mail para contato: [email protected]

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