Eu não estou interessada em nenhuma teoria

Por Márcia Martins

Belchior, com certeza, não se importaria de me emprestar versos de sua música 'Alucinação', composta em 1976, para iniciar esta coluna. Vamos lá, então. Eu não estou interessada em nenhuma teoria, nem nessas coisas do Oriente, romances astrais, a minha alucinação é suportar o dia a dia e meu delírio é a experiência com coisas reais. Porque amar e mudar as coisas me interessa mais. E nos próximos quatro anos, a partir de janeiro de 2019, amar muito, cada dia mais. Só com muito amor para entender melhor as pessoas que escolheram Jair Bolsonaro para presidir o Brasil. Só mudando as coisas, as situações, enobrecendo os sentimentos para sobreviver ao futuro do País.

Será preciso, mais do que nunca, exercer muito a tolerância, praticar sempre a empatia, compreender melhor as divergências, respeitar as diferenças e, principalmente, perdoar as agressões prometidas - que vêm sendo realizadas - pelos adoradores do Bolsonaro. Que se cuidem os negros e negras, os estudantes de periferias que ousarem exprimir algum tipo de pensamento, as mulheres que caminham solitárias pelas ruas, aquelas que educam sozinhas filhos e filhas desajustadas, os LGBTs e, especialmente, os taxados pelo presidente eleito em 28 de outubro como 'vermelhos', os quais, em breve, muito breve, podem ser exterminados.

Ei, vejam só. Apesar da coluna da semana passada, em que manifestava meu receio de não mais continuar escrevendo por justamente me enquadrar nesta turma que Jair Bolsonaro quer varrer do planeta: "feminista, vermelha (pode ser petista ou comunista), esquerdista, sindicalista", hoje volto aqui para dizer que ainda respiro. Sem a ajuda de aparelhos. Sobrevivo. Sem a necessidade de muitos remédios de tarja preta (ok, alguns). Sou dura na queda. E não é tudo que me derruba. Se fere a minha existência, serei resistência. Sempre. E quanto mais confrontada, humilhada, desafiada, renascerei com mais força, mais vigor, mais coragem.

Seguirei firme defendendo a democracia, a justiça social, a igualdade para todos, os direitos de todas as formas de amor porque qualquer maneira de amar vale a pena, o respeito, a dignidade, a vida e o ser humano. Embora seja sincera com vocês, meus leitores e leitoras, ao afirmar que sai desta eleição totalmente destroçada, recuperei no próprio domingo, antes mesmo de saber da vitória do Bolsonaro, o sopro para continuar na defesa intransigente dos meus princípios, dos meus ideais e de tudo aquilo que acredito seja necessário para a construção de um mundo mais perto da utopia que sonho.

Este sopro milagroso ocorreu após ler um texto que a minha filha postou na sua conta no Instagram no domingo, minutos antes de sairmos as duas juntas para votar no colégio próximo à nossa casa. A Gabriela Trezzi escreveu algo de uma lindeza, de uma lucidez, de uma generosidade comigo ao enaltecer a militância que lhe ensinei desde pequena e ao agradecer o privilégio de ter sido educada por mim, que me mostrou o acerto na condução dos ensinamentos que lhe passei. Assim, com uma filha maravilhosa, com uma consciência da nossa responsabilidade neste mundo, das nossas obrigações enquanto cidadãs políticas, percebi que preciso continuar sendo resistência.

Não pedi permissão para Gabriela e confesso até um medo de perder meu espaço no portal para ela, tamanha a sua competência, mas vou reproduzir algumas linhas do que ela escreveu.

"Crescer acompanhada por essa mulher (nota minha, ele referia-se a mim), é um privilégio em um país em que a política está desacreditada, em que a esquerda perdeu grande parte de sua capacidade de compreensão e diálogo... Ao fim do primeiro turno, ficamos apavoradas juntas. Ficamos desmotivadas juntas. Foram três semanas de desespero compartilhado... Foi difícil, mas estar do lado dela tornou mais fácil... Deu espaço para a esperança crescer dentro de mim... Tô, mais do que nunca, certa de que amo o Brasil. Amo ter nascido e viver em um lugar tão plural, que me faz crescer e conhecer realidades e pensamentos e ambientes diferentes dos meus. O medo estava presente nas últimas semanas, mas a vontade de fazer esse país crescer e valorizar a sua democracia também, e eu não tô sozinha nessa. Saio dessas eleições com muitas dúvidas sobre como conter o ódio, mas com fé renovada e com a sensação boa demais de que a vida é melhor em momentos de partilha."

Por isso, não estou interessada em nenhuma teoria. Amar e mudar as coisas me interessa mais. Pela minha filha Gabriela. Para a minha filha Gabriela. Por tudo que eu já aprendi com ela. Pelo nosso amor.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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