Evitar a repetição de erros

Por Renato Dornelles

Em menos de 40 dias desde a inauguração da Cadeia Pública de Porto Alegre, pelo menos em duas vezes os presos já tentaram quedas de braço com o Estado. Foram dois episódios de sublevação em que, em grupos, tentaram forçar a administração da casa a ceder a pleitos que demonstram uma contrariedade às normas impostas na nova prisão.

O primeiro ato de revolta foi registrado no dia 1º de outubro, exatamente três semanas após a inauguração da prisão. Um grupo, que seria ligado à facção "Os Manos", conseguiu sair de suas celas e se concentrar no corredor da galeria.

Uma das versões que surgiram diz que eles reivindicavam a escolha de "facilitadores" que fariam a intermediação entre a massa carcerária e a administração da casa. Na prática, seria a volta do esquema das prefeituras que existiu no Presídio Central e que facilitava às facções, por meio de seus "prefeitos", a prática de extorsões e outras ilegalidades e irregularidades.

Mais recentemente, no dia 19, houve outra revolta, incluindo a queima de colchões. Desta vez, seriam integrantes dos V7 que estariam reivindicando a instalação de tomadas nas celas. Alegam que são necessárias para esquentar água para o chimarrão e também o preparo de comidas alternativas. O projeto da prisão não previu tomadas para evitar que baterias de telefones sejam recarregadas na Cadeia.

Nessas quedas de braço, em que o Estado afirma não ter cedido em nada, aparentemente há heranças deixadas pelo sistema vigente no antigo Presídio Central, no qual os presos ficavam livres nas galerias (as portas das celas não eram fechadas, devido à superlotação) e ali a dinâmica era definida por eles. No caso, pelas facções.

De fato, foram criados vícios e culturas prisionais que podem levar tempo para serem superados. Mas também é preciso bom senso de ambas as partes. Acho muito discutível a não instalação de tomadas, uma vez que elas também podem ser utilizadas além do carregamento de celulares, para atitudes lícitas. Além do mais, na inauguração foi anunciada a instalação de bloqueadores de sinal.

Por outro lado, parece permanecer a separação de presos por facções, o que por um lado reduz os riscos de violência, mas por outro favorece os níveis de organização. Esses primeiros dias de Cadeia Pública têm sido delicados para o sistema prisional para que não ocorra o risco de que surja um novo Presídio Central.

Autor
Jornalista, escritor, roteirista, produtor, sócio-diretor da editora/produtora Falange Produções, é formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (1986), com especialização em Cinema e Linguagem Audiovisual pela Universidade Estácio de Sá (2021). No Jornalismo, durante 33 anos atuou como repórter, editor e colunista, tendo recebido cerca de 40 prêmios. No Audiovisual, nos últimos 10 anos atuou em funções de codireção, roteiro e produção. Codirigiu e roteirizou os premiados documentários em longa-metragem 'Central - O Poder das Facções no Maior Presídio do Brasil' e 'Olha Pra Elas', e as séries de TV documentais 'Retratos do Cárcere' e 'Violadas e Segregadas'. Na Literatura, é autor dos livros 'Falange Gaúcha', 'A Cor da Esperança' e, em parceria com Tatiana Sager, 'Paz nas Prisões, Guerra nas Ruas'. E-mail para contato: [email protected]

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