"Da velha chácara triste, Não existe mais a casa? Mas o menino ainda resiste".
Manuel Bandeira.
Escritores poderosos, como Marcel Proust e James Joyce, tinham o dom de desvendar as trevas do subconsciente para resgatar suas memórias perdidas. E nos ensinaram que a busca por tesouros esquecidos também traz tristezas e acabrunhamentos. O poeta Manuel Bandeira dizia que, depois de Proust lhe era quase impossível escrever sobre o passado. E que sua memória ficara "de ponta cabeça":
"Os laços tecidos pela memória são pedaços vivos do nosso próprio ser".
Os sonhos dos escritores e poetas podem ser compartilhados. Mas será preciso encontrar a chave que destranca o baú de nossos esquecimentos. Cada um tem a sua, perdida ou esquecida em algum lugar no tempo. Para Marcel Proust era
?...uma pequena conchinha, tão gordamente sensual?.
Que lhe despertava infindáveis memórias há muito congeladas. Já para o Cidadão Kane de Orson Welles, foi a nostálgica lembrança de um trenó de neve que foi levado para longe de casa ? e da mãe. Mas ficou o nome : Rosebud.
Quanto a nós todos, nem poetas nem escritores, as lembranças retornam a qualquer momento - e sem avisar. O gatilho pode ser um rosto na multidão, notas avulsas de uma melodia ou o toque do sino de uma igreja distante. Como nos contos de fadas e duendes, são chaves mágicas, capazes de nos levar de volta à casa paterna e à rua onde brincávamos de esconde-esconde.
No outro dia, ao cortar caminho, passei por meu antigo bairro. Tudo estava mudado, muito diferente do bairro de minhas lembranças. Os casarões e as casas geminadas de porta-e-janela haviam sido postos abaixo e os paralelepípedos da rua estavam cobertos pelo asfalto. Ainda busquei algum vestígio da rua que foi um dia. A alameda dos velhos jacarandás sobreviveu, mas ainda é inverno e a floração vai demorar.
Melhor voltar em Novembro, quando a rua fica atapetada com flores azuis. Que a mãe dizia brincando, que era um presente da natureza pelo meu aniversário. E eu acreditava.