Funeral em Livorno

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Nunca tema o futuro,

nem chore sobre o passado"

Percy Shelley.

Poucos dias antes de completar 30 anos, em 8 de julho de 1822, o poeta inglês Percy Bysshe Shelley é surpreendido por uma grande tempestade quando navegava próximo a Livorno, na costa da Itália. Os amigos encontram seu corpo inerte na praia de Viareggio e decidem cremá-lo ali mesmo. Improvisam um funeral à antiga, ao gosto do último dos grandes românticos do século XIX. E quem acende a pira funerária é outro incorrigível romântico, Lord Byron.

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A biografia de Percy Shelley foi assinalada por altos e baixos, alegrias e atribulações. Aos 12 anos, ingressou no Eton College, onde sofre bullying dos colegas veteranos. Assim mesmo, encontra inspiração para escrever duas novelas e dois volumes de poesia. Em 1810, é aceito no prestigiado University College, em Oxford. Algum tempo depois, publica um folheto intitulado "A necessidade do ateísmo", que ofende e choca a comunidade universitária. Entre outras heresias, afirmava:

"A razão não permite acreditar na existência de um Deus."

É imediatamente chamado a se retratar, mas se recusa e é expulso no ato. Seus pais se exasperam, exigindo que reveja suas convicções, como liberdade sexual, radicalismo político e vegetarianismo. Pouco conseguem e no ato seguinte, Shelley foge de casa, levando consigo uma jovem de 16 anos, Harriet Westbrook, alegando que pretendia salvá-la do suicídio. O romance dura pouco e ele se enamora de Liz Hitchener, a professora que usara como modelo para Rainha Mab, um poema inspirado em Romeu e Julieta, de Shakespeare. Mas a poesia não satisfaz o inquieto Shelley, que escreve panfletos políticos, que distribui em balões de ar quente, barcos de papel e em garrafas jogadas ao mar.

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Bem educado e precoce, Percy Shelley ao mesmo tempo em que cultiva paixões simultâneas e escândalos amorosos, cria poesia de um intenso lirismo. Seus versos extremamente elaborados o elevariam à condição de poeta maior do Romantismo Inglês. Uma vida e obra que marcaria quase toda a poesia do século XIX. Mas não foi sempre assim.

Ao contrário de seu grande amigo Lord Byron, que era admirado em todas as classes sociais, Shelley ficou estigmatizado por suas opiniões extremadas. Por décadas, permaneceu como referência de movimentos socialistas e trabalhistas da Inglaterra. Mas a publicação póstuma de grande volume de poemas e peças teatrais obrigou críticos e estudiosos a reavaliarem radicalmente sua importância. Logo sua poesia passa a ser louvada por ícones como Mahatma Gandhi, C. S. Lewis, George Bernard Shaw, Bertrand Russell e Isadora Duncan. E enquanto músicos como Sergei Rachmaninoff compõem peças inspiradas em seus poemas, Karl Marx o cita em um de seus panfletos.

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Até mesmo sua morte na Itália, em 1922, seria pontuada por polêmicas e controvérsias. Apesar das evidências de afogamento acidental, jornais ingleses especularam que ele teria sido vítima de um inimigo político - ou de um marido traído.

Após o funeral viking em Viareggio, as cinzas de Percy Shelley foram depositadas no Cemitério Protestante em Roma. Em 1954, é imortalizado no maior panteão de imortais, o Poet's Corner na Abadia de Westminster, em Londres. Seu nome pode ser visto em um tablet de mármore, ao lado de John Keats e próximo à estátua de William Shakespeare.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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