Heráclito, o Adesista

Por Marino Boeira

Dizem que depois do golpe militar de 1964, que o ministro Toffoli, do Supremo, com a sua preocupação em inovar o vernáculo, quer que se chame de Movimento de 64, uma delegação do governo da Bolívia veio visitar o Brasil, trazendo alguns ministros, inclusive o da Marinha.

Durante uma recepção no Itamarati, o general de plantão no governo brasileiro resolveu ironizar os bolivianos, perguntando

- Como é que a Bolívia tem um Ministro da Marinha se não tem mar?

Os visitantes eram bolivianos, mas não eram burros e responderam:

- E como é que o Brasil tem um Ministro da Justiça, se não tem justiça?

Lembrei a história depois que encontrei o Heráclito.

Nos tempos da Faculdade de Filosofia, ele era sempre apresentado com o aposto explicativo - Heráclito, o Adesista.

Segundo sei, ele sempre fez jus a esse qualificativo.

Ele me contou que era Lacerdista, mas durante a Legalidade teve um curto tempo como Brizolista, mas logo voltou para o seu antigo guru.

Na época da ditadura seu lema era Brasil, ame-o ou deixe-o; depois fez campanha pelas Diretas Já, gritou Fora Collor, foi filiado ao PMDB e se juntou ao grupo que aderiu ao PT em busca de alguma boquinha no governo.

Desde o golpe contra Dilma, que ele vê como um movimento a favor da democracia, estava vivendo um período de incertezas políticas.

Chegou a defender a necessidade de responsabilidade fiscal com o Alckmin; pensou em ajudar a chamar o Meireles; disse numa roda de bar que o Brasil precisava de um cabra macho como o Ciro; mas desde o momento em que o Bolsonaro levou aquela facada em Juiz de Fora, escolheu seu candidato e nunca mais hesitou, era Bolsonaro desde criancinha.

Ontem, o encontrei na Feira do Livro buscando assinaturas para um manifesto a favor do lançamento da candidatura do Moro para o Prêmio Nobel de Literatura.

Foi ai que me lembrei da piada sobre os bolivianos:

- Mas, o cara nunca escreveu um livro, Heráclito e há dúvidas que tenha lido algum.

- O Getúlio nunca escreveu um livro e foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.

- Foram pelos seus discursos.

- Discursos que certamente ele não escreveu. Dizem que até a carta testamento teve um ghost writer.

- Há divergências.

- Não importa, um monte de gente que também nada fez pela paz, ganhou o Nobel da Paz.

E aí, o Ambrósio começou a citar uns caras que eu nem lembrava mais e que serviram mais a guerra que a paz: Chamberlain, que em 1938, com o Acordo de Munique, ajudou Hitler a começar a guerra no Leste; dois presidentes norte-americanos Jimmy Carter e Barack Obama (presidente norte-americano não faz amor, faz a guerra) e pior, o Henry Kissinger, que se houvesse um novo Julgamento de Nuremberg, seria o primeiro a ser acusado. E tem mais: primeiros ministros de Israel, como Shimon Perez, Yitzhak Rabin e mesmo Menachen Begin, dirigentes de um país que faz guerra permanente contra os palestinos; Michael Gorbachov e Lech Wallesa, que ajudaram a acabar com o socialismo; Frederick Klerk, o último presidente do apartheid na África do Sul e até mesmo colombiano Juan Manoel Santos, que combateu o narcotráfico com a ajuda dos Estados Unidos.

- Pois é, Ambrósio, mas em 1973, o Le Duc Tho, o dirigente do Vietnam que assinou o acordo de paz em Paris, se recusou a receber o prêmio junto com Kissinger.

- Mas isso é coisa de comunista que detesta honraria burguesa.

- Mas alguns comunistas ou simpatizantes ganharam o Nobel de Literatura como Saramago, Neruda, Garcia Marques, Martin de Gard, Romain Rollad e outros que poderiam ser classificados hoje intelectuais de esquerda.

- É, mas o Sartre recusou o prêmio em 1964

- Mas o Sartre não era comunista.

- Comunista assumido. Não apoiou Cuba e depois os chineses?

Vocês estão vendo que é difícil discutir com o Heráclito? Quem não apoia o Bolsonaro e o Moro é comunista, ou no mínimo simpatizante.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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