Identificando os inimigos

Por Marino Boeira

No passado, os jornais eram porta-vozes de partidos políticos e existiam para expor e defender suas ideias. No início do século 20, os movimentos revolucionários europeus se valiam deles para conquistar adeptos e propor formas de luta.

Foi com a consolidação da sociedade capitalista no Ocidente, que eles foram, aos poucos, adquirindo a sua conformação atual, onde, sob a aparência de veículos de comunicação que serviriam principalmente de registro dos acontecimentos, se transformam em sustentáculos de um determinado sistema.

Embora o jornalismo venda a ideia de imparcialidade e compromisso com a verdade, ele é cada vez mais o sustentáculo da sociedade capitalista, a quem procura vestir com uma aparência ética, totalmente em desacordo com sua substância real.

Dois fatos, um da área técnica e outro da área política, transformaram os meios de comunicação no grande pilar que sustenta o atual sistema capitalista, muito mais do que a repressão através da lei e da coerção policial: o prodigioso avanço técnico dos meios de difusão - jornais, cinema, rádio e televisão e o surgimento da internet - e a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o início da chamada Guerra Fria, com o aparecimento de uma batalha ideológica que ainda continua.

O fim de um dos polos de combate, o desmoronamento da União Soviética, não encerrou a disputa pelo controle ideológico das populações, anunciado em 1945, quando o presidente americano Eisenhower afirmou que estava começando uma guerra pelo controle dos corações e mentes das pessoas.

Embora o sistema capitalista ainda se valha periodicamente do recurso da força - Coréia em 1953, Irã, em 1954, e, mais recentemente, na Iugoslávia, no Iraque, em Cuba e na Líbia e, agora, com ameaças à Venezuela, é através da sistemática lavagem cerebral das pessoas que o imperialismo norte-americano faz valer sua força.

Os interesses do Império e seus aliados no mundo inteiro, como no caso hoje do Brasil, são transformados em objetivos de todos pela ação sistemática dos meios de comunicação, que atuam num processo permanente de venda do conceito de que o que temos hoje - a democracia parlamentar ocidental - é o melhor que as pessoas podem ter e que a ideia de que "um outro mundo é possível" é uma falácia.

No Brasil, parte razoavelmente importante dessa estratégia para o Império, tivemos dois exemplos como os meios de comunicação agem para mistificar e vender como verdade o que não é verdade.

O primeiro foi a famosa entrevista com Lula na prisão de Curitiba. Projeto de caráter mercadológico da Folha, foi abortado pelo Supremo Tribunal Federal, quando teria alguma condição de influir no processo eleitoral de 2018, e liberado agora, quando se transformou apenas no lamento de um homem preso injustamente.

Mesmo assim, a grande mídia - inclusive a Folha - tratou o caso com pouca importância, jogando o assunto para suas páginas internas e dando mais destaque às passagens pitorescas da entrevista (o fato de morar sozinho, que permitiria a Lula jogar suas cuecas em qualquer lugar) do que a denúncia explicita que ele fez a Globo de caracterizá-lo sistematicamente como "ladrão", sem apresentar qualquer prova.

O segundo episódio foi a revolta de opereta na Venezuela, descaradamente patrocinada pelos Estados Unidos. Deixando de lado que a mídia brasileira jamais se preocupou em mostrar porque a Venezuela, com as maiores reservas de petróleo do mundo, é o alvo principal hoje dos interesses dos Estados Unidos, um só detalhe mostra a parcialidade da nossa mídia, sempre tão venal: o tratamento dado a Nicolás Maduro.

Em qualquer publicação brasileira, ele é apresentado como o "Ditador Maduro", induzindo os leitores, ouvintes e telespectadores a ver nele um usurpador do poder, quando se sabe que ele foi eleito e reeleito pelo povo venezuelano.

Caso o argumento seja de que teria sido uma eleição manipulada, o que já foi desmentido por observadores internacionais que acompanharam o pleito, seria o caso de chamar Bolsonaro de ditador e não de presidente, porque a eleição de 2018 no Brasil foi um caso claro de manipulação eleitoral amplamente conhecido.

Quem se opõe ao atual sistema econômico, político e social que domina o mundo hoje, precisa entender que sua sustentação principal, vem do modelo dos meios de comunicação e que é esse modelo que deve ser combatido.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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