IN FORMA

Por Marino Boeira

Durante mais de um ano, ocupei este espaço em Coletiva.Net com a série 'Falo com?', "entrevistando" personagens importantes do passado. Com base em pesquisas sobre o que eles disseram ou escreveram, trouxe de volta para o presente o pensamento de brasileiros ou estrangeiros que se destacaram, na Filosofia, como Marx e Sartre; na Literatura como Drummond, Quintana, Pessoa, Neruda, Graciliano, Saramago, Érico, Dionélio, Brecht e Roger Martin du Gard; na Política, como Lenin, Gorender, Gramsci, Fidel e Brizola; no Jornalismo como Millor, Nelson Rodrigues, Stanislaw Ponte Preta e o Barão de Itararé; nas Artes, como Lupicínio, Sinatra, Aldir Blanc e Elis e muitas mulheres que atuaram em várias áreas, como Rosa Luxemburgo, Leila Diniz, Nise da Silveira, Mercedes Sosa e Frida Khalo. Mais adiante, pretendo reunir essas mais de 50 "entrevistas" em um livro. Por enquanto, estou terminando essa série, não porque comecem a faltar personagens, mas porque penso que preciso voltar ao presente para dar meu testemunho sobre os fatos de hoje. A partir de agora estarei publicando nesse espaço, semanalmente, o que penso dos acontecimentos que chamam a atenção no Brasil e no Mundo.

Essa coluna vai se chamar 'IN FORMA'.

Na sua primeira apresentação, começo analisando as diferenças entre dois políticos importantes na história recente do Brasil, um já falecido, Leonel Brizola e outro em plena atividade, Luís Inácio Lula da Silva, cujos seguidores ainda hoje se empenham na disputa de qual dos dois representa melhor as aspirações da esquerda brasileira.

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Quando Brizola chegou ao governo do Rio Grande do Sul, ele mesmo confessou, que pensava em ser um bom governador, administrando corretamente o Estado e cuidando principalmente da educação. Foi em 1961, quando circunstâncias históricas o levaram a liderar o Movimento da Legalidade, que percebeu que essas boas intenções pesavam muito pouco na política. Como alguns outros poucos políticos brasileiros, ele se deu conta que o inimigo era muito poderoso e que suas boas intenções não bastavam. Ele percebeu que esse inimigo era o imperialismo norte-americano e seus sócios nacionais e desde então voltou sua vida política para denunciá-los e por isso mesmo não permitiram que ele chegasse na presidência, quando voltou do exílio.

Lula, ao contrário, apareceu durante a ditadura militar, repetindo no Brasil o chamado sindicalismo de resultados dos Estados Unidos. Foi apadrinhado pela mídia e nas eleições de 89, com o apoio do empresariado paulista, dividiu as esquerdas e impediu a vitória de Brizola. Mesmo assim, concorreu mais duas vezes, quando recebeu o apoio de Brizola e foi derrotado por Fernando Henrique Cardoso. Elegeu-se em 2002, depois que mudou seu discurso, antes aparentemente de esquerda, para uma posição de centro e obteve o apoio das classes dirigentes brasileiras. A famosa Carta aos Brasileiros, que segundo se diz foi escrita pelo Antônio Palocci (os petistas devem lembrar dele) documentou para a história esse compromisso. Ao contrário de Brizola, cujos contatos com a realidade política eram feitos a partir de suas posições como governador e deputado federal, Lula foi presidente da República durante oito anos, teve contatos com diversas personalidades do mundo inteiro e acesso a um grau de informações praticamente ilimitado. Mesmo assim, suas metas para uma nação com o potencial de desenvolvimento como o Brasil sempre foram tímidas. Muitas delas estão sendo repetidas agora: uma melhor distribuição de renda, que não eliminará nunca a pobreza e basicamente uma política assistencialista nas áreas de educação e saúde. Seus discursos hoje como no passado, não confrontam a política rentista capitaneada pelos bancos, a expansão criminosa do agronegócio e a extorsão praticada pelos grandes negociantes contra a economia popular.

O professor de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina e presidente do Instituto de Estudos Latino Americanos, o IELA, diz que Lula é um político vulgar no sentido de que sua política é rasteira visando obter determinados ganhos no varejo político e nunca propondo alternativas profundas na vida econômica e social do Brasil.

Seus seguidores lembram que sua eleição impediu a continuidade do governo do protofascista Bolsonaro e abriu caminho para que se discuta novamente qual o melhor caminho para o futuro do Brasil. Admitindo que esse seja seu grande mérito, isso não esgota o tema. O caminho proposto claramente por Lula hoje é o da conciliação de classes e da defesa de um capitalismo mais humano nas cidades e menos predador nos campos. Mas essa é claramente a proposta que interessa à grande burguesia, aos banqueiros e a boa parte dos latifundiários, mas não é a que serve para os trabalhadores. Essa é essencialmente uma política de direita ou no máximo de centro de direita.

Os partidos que pretendam ser de esquerda, só podem merecer essa denominação se inscreverem em suas bandeiras a luta pelo socialismo. E nessa grande divisão, os pensamentos de Brizola e Lula são opostos. Brizola percebeu em algum momento da sua carreira política que a luta fundamental dos brasileiros era contra o imperialismo norte-americano e a luta política deveria buscar a conquista do socialismo. Lula fez o caminho inverso. Mesmo que limitadas às conquistas salariais no seu início, suas propostas se chocavam com os interesses maiores da burguesia. As derrotas sucessivas nos pleitos presidenciais para Collor e depois FHC, o levaram a buscar apoio nos meios empresariais, com sucessivas concessões, até a conquista da presidência em 2002. Hoje, no seu terceiro mandato, a imagem de antigo político de esquerda, não dissimula mais sua adesão completa aos ditames da ordem capitalista. Até a sua pretensa neutralidade na política externa naufragou na adesão plena e completa à política de guerra dos Estados Unidos e da OTAN no caso da Ucrânia.

Confrontar os pensamentos e ações desses líderes populares - Brizola e Lula - é uma boa maneira de ter mais elementos para entender a atual conjuntura econômica e política do Brasil de hoje.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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