In forma (13/03)

A FUGA DO DEBATE CIVILIZADO

Na velha Última Hora, Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto - 1923/ 1968) criou o seu famoso FEBEAPÁ, Festival de Besteiras que Assola o País, reunindo semanalmente todas as bobagens ditas principalmente por figuras importantes da política do país.

Hoje, uma nova onda de bobagens tomou conta do Brasil e não apenas nos meios mais tradicionais como jornais e emissoras de TV, mas principalmente nas chamadas redes sociais.

Uma das suas características mais marcantes é o abandono quase que definitivo da linguagem culta e da argumentação mais racional. O que alguns analistas mais apressados chamam de polarização política entre duas figuras públicas - Lula e Bolsonaro - tem estimulado o uso de uma adjetivação cada vez mais agressiva e desprovida de algum tipo de justificativa aceitável.

Nessa selva midiática quem não veste as fardas de guerreiro de um dos lados é rapidamente apontado como soldado inimigo. Para os lulistas, é proibido se referir ao inimigo pelo nome de batismo. O mais respeitoso de todos é de Bozo. Para o outro lado, Lula é o velho decrépito e senil, quando não algo muito pior.

Todo esse linguajar nada castiço tem outra conseqüência que me parece ainda mais grave: o fim da análise racional do momento político. Para os petistas, mais ativos principalmente nas redes que freqüento, o governo de Bolsonaro criou um regime fascista no Brasil e sua volta, ou de algum preposto, significará a volta desse sistema.

Obviamente, qualquer pessoa razoavelmente informada sobre a História distingue a diferença do que foi o fascismo na sua versão clássica dos regimes de Hitler e Mussolini e o governo de Bolsonaro. Naqueles quatro anos, todas as instituições públicas funcionaram normalmente, a imprensa gozou de ampla liberdade e as pessoas foram às ruas pedir o impeachment do presidente, algo impossível no fascismo.

Os mais versados no tema, logo citam Umberto Ecco com suas lições de como identificar tendências fascistas ou o americano Robert  Paxton que segue a mesma linha. O que poderia ser um tema de debate esconde uma armadilha. O adversário, no caso Bolsonaro, é quem nos poderá levar ao fascismo e para impedir isso é preciso apoiar sem qualquer crítica o governo do Lula, mesmo que no essencial ele repita o do "fascista".

Se você apontar o governo do petista como submisso aos banqueiros com sua política de ajustes fiscais, aos latifundiários com a distribuição farta de financiamentos públicos ao agronegócio e seguidor apenas de projetos assistencialistas para os mais pobres, você estará abrindo a porta para o fascismo.

Não adianta lembrar que um governo fascista é profundamente nacionalista, se apóia numa burguesia forte e independente e suprime todas as liberdades públicas.

Não tivemos nada disso com Bolsonaro e nossa burguesia continua frágil e submissa aos interesses do imperialismo.

Toda essa discussão seria apenas bizantina se não tivesse como consequência o bloqueio a uma discussão mais séria sobre a total incapacidade do atual governo de Lula - que deveria ser o oposto do execrado Bolsonaro - de enfrentar os grandes problemas nacionais e que continua no essencial repetindo as políticas públicas do seu antecessor.

Mas pensar e dizer isso, na visão dominante da nossa meia-esquerda, é abrir as portas para o fascismo.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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