In Forma (13/08/2025)

Por Marino Boeira

O JORNALISMO A SERVIÇO DA DITADURA

Como jornalista, Carlos Lacerda ficou famoso pelas suas críticas ferozes ao governo de Getúlio Vargas, começando pela sua célebre frase, quando Getúlio se lançou candidato à Presidência nas eleições de 1950, publicada no seu jornal, a Tribuna de Imprensa:

"O senhor Getúlio Vargas não deve ser candidato à presidência; candidato, não deve ser eleito; eleito, não deve tomar posse; empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar".

Era uma forma de fazer jornalismo comum a quase toda a imprensa da época, embora poucos chegassem à contundência de Lacerda em seu jornal. Sua agressividade levou outro jornalista famoso, Samuel Wainer, dono do jornal Última Hora, fundado com financiamento do Banco do Brasil para defender o governo de Getúlio Vargas, a lançar contra Lacerda um apelido que ficou famoso: "Corvo". Dez anos depois, em 1964, a Última Hora de Samuel Wainer era ainda praticamente o único jornal a defender o governo de João Goulart, o herdeiro de Vargas.

Quando o golpe militar, com apoio do empresariado nacional, mas gestado na Embaixada Americana, já estava em andamento, os principais jornais brasileiros assumiram uma posição decidida a favor dos golpistas. O Correio da Manhã, que depois viraria o principal crítico dos governos militares, se destacou pelas suas famosas manchetes BASTA e FORA publicadas nos dias do golpe pedindo a saída de Jango. No dia 2 de abril o Correio da Manhã, publicaria esta manchete, que o tempo rapidamente se encarregou de desmentir: "Lacerda anuncia volta do país à democracia". O Globo justificaria o golpe com uma chamada em seu editorial no dia 5 de abril de 64: "A Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista".

Vinte anos depois, Roberto Marinho justificaria assim o seu apoio ao golpe: "Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada". Além da democracia e das liberdades públicas, o golpe de 64 serviu para levar a censura à imprensa, inclusive a jornais que o apoiaram, e liquidou com o império jornalístico que Samuel Wainer havia construído no Brasil.

A primeira vítima foi a sucursal gaúcha de Última Hora, fechada pelos militares e logo depois com seu apoio, vendida para o empresário Ary de Carvalho e reaberta em maio de 64 com o nome de Zero Hora. Sintomaticamente, logo em suas primeiras edições, Zero Hora publicou uma mensagem do general Mário Poppe de Figueiredo, comandante do III Exército, que o jornal diz ter sido escrita de próprio punho pelo general: "Recebi com muita simpatia o aparecimento de Zero Hora. Com a orientação de propugnar pelos ideais cristãos e democráticos do povo brasileiro, será mais uma voz a conduzir a opinião pública no Rio Grande do Sul nos rumos tradicionais de nossa formação histórica. Auguro a Zero Hora uma longa e próspera existência".

O jornal apoiou os 20 anos do regime militar, como lembrou o jornalista Marco Aurélio Weissheimer ao pinçar um editorial de Zero Hora de setembro de 69, exaltando a "autoridade e irreversibilidade da Revolução", mas nunca esteve sozinho nesse apoio. Quando da passagem dos 50 anos do golpe, o jornalista Janio de Freitas escreveu na Folha: "A imprensa, embora uma ou outra discordância eventual, mais do que aceitou o regime: foi uma arma essencial da ditadura. Naqueles tempos, e desde 64, o Jornal do Brasil foi o grande propagandista das políticas do regime, das figuras marcantes do regime, dos êxitos verdadeiros ou falsos do regime.

Hoje, eles estão em todos os jornais e emissoras de rádio e televisão, mas onde mais se concentram é na Rede Globo. Nenhum, porém, com o brilho intelectual de Lacerda, que diga-se de passagem, arrependeu-se de sua participação no golpe de 64, e sinceramente ou não, articulou-se com Jango e Juscelino na formação de uma frustrada Frente Ampla para retomar a democracia no Brasil.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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