In forma (26/02)

Por Marino Boeira

A ESQUERDA SÓ SE UNE NA CADEIA

A esquerda só se une na cadeia. A frase, de autor desconhecida, é usada de maneira crítica. A esquerda devia estar sempre unida para combater a direita. Nada mais falso. As divergências da esquerda indicam que ela é composta por pessoas que têm opinião própria sobre temas políticos.

Elas só precisam estar unidas, quando da conquista do poder. Robespierre reservou a guilhotina para quem fosse contra a revolução da burguesia francesa contra os nobres. Lenin reprimiu os divergentes depois da Revolução Russa e afirmou que o todo poder deveria estar em mão apenas dos bolcheviques. Fidel Castro, quando a revolução cubana foi atacada militarmente, afirmou que numa fortaleza sitiada toda a divergência é traição.

No Brasil a esquerda só teve próxima de chegar ao poder quando do governo de João Goulart em 1964. Naquela ocasião, os diversos segmentos que compunham a esquerda - trabalhistas de diversas facções e comunistas principalmente - apesar de divergirem em muitos pontos estavam unidos numa proposta que Jango verbalizou no comício de 13 de março em defesa das chamadas Reformas de Base.

A grande derrota de 1964, com a instituição de uma ditadura civil- militar no Brasil, transformou as lutas da esquerda num projeto único: a redemocratização do País, ainda que dentro de uma perspectiva conservadora.

O retorno a uma democracia formal no Brasil permitiu o surgimento de grupos políticos de esquerda que se consolidaram nas eleições de 1989 com a apresentação de dois projetos eleitorais: o do PT centrado na liderança de um sindicalista, inspirado no modelo norte-americano de conquistas apenas trabalhistas, Lula da Silva e a do PDT, de caráter nacionalista e de ideias socializantes , de Leonel Brizola.

A divisão de forças permitiu a eleição de Fernando Collor, com um projeto extremamente conservador.

Quando a esquerda chegou nominalmente ao poder com o PT e Lula em 2002, o seu projeto de governo já estava completamente diluído e só ganhou as eleições pelo compromisso expresso de Lula na chamada Carta aos Brasileiros de não mexer nas estruturas de poder no Brasil. Seus dois governos sucessivos, seguido pelo governo de seis anos de Dilma, foram apenas retoricamente de esquerda.

O interregno dos governos de Teme e de Bolsonaro, que poderiam permitir ao PT a formulação de uma proposta realmente de esquerda para as eleições de 2022 se perdeu mais uma vez na formação das chamadas frentes políticas simbolizadas em algo que parecia totalmente absurdo alguns anos antes, a composição da chapa Lula/ Alckmin, unindo o antigo líder sindical com um político que quando governador  reprimiu todos os movimentos de trabalhadores.

Com a nova eleição de Lula o governo abandonou totalmente qualquer veleidade de seguir os objetivos do que seria um governo de esquerda, a tal ponto que um dos principais construtores do PT, José Dirceu, caracterizou o governo de Lula de centro-direita.

Hoje, Lula se afirma unicamente como o anti-Bolsonaro e ao invés de propor políticas que sigam o ideário da esquerda, segue os ditames dos banqueiros, latifundiários, grandes empresários, todos vassalos do imperialismo norte-americano.

Para os trabalhadores que ainda diz representar, restam os projetos sociais de alcance limitado e que não atacam as causas da miséria cada vez maior de boa parte da população.

Nessa conjuntura sobra para os que são de esquerda a união em torno de projetos políticos que reiteram a defesa de uma necessária revolução social para o Brasil. Dentre eles, o mais consistente é o da Revolução Brasileira, com uma linha de ação baseada na proposta de "ser contra a ordem, dentro da ordem".

Se tal projeto tem condições de ser vitorioso, é outra questão. O importante é que ele mostra que dentro da esquerda brasileira, ainda resistem os que lutam por uma república socialista, ainda que ela possa estar distante.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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