Ninguém conseguirá deter a Primavera

Por Márcia Martins

A tal da Primavera, a estação mais florida do ano, que se apresenta invariavelmente com belas paisagens, flores diversas e temperaturas agradáveis, sem aquele frio de renguear cusco ou o calor de derreter até os pensamentos escondidos, chegou no último dia 22, às 22h53, na noite de sábado. Mas, estranhamente, desde então, o cenário dos dias e noites, pelo menos em Porto Alegre, não condiz com as belezas que caracterizam a Primavera. Uma chuva intermitente que desaparece e retorna em intervalores curtos, ventos de bater as janelas e parecer enredo de filmes de terror e as cores das flores com uma palidez que desbota as orquídeas, os jasmins, as violetas, rosas e cravos.

Sei que alguém ao ler as frases acima, logo irá me contrariar e dizer que a Primavera é sim marcada pela maior incidência de chuvas em decorrência do aumento da umidade. Ocorre que choveu nas últimas quatro noites. E também caiu água o dia inteiro de domingo, em horas intercaladas da segunda-feira e também na terça-feira. Claro que reconheço que a chuva é um fenômeno da natureza importante e necessário. Apenas fico na torcida para que a chuva tenha interrupções mais espaçosas e que os pingos não continuem até o final da Primavera, em 21 de dezembro, quando começa o Verão, a estação que lhe sucede. Aliás, para quem não sabe, a palavra Primavera tem origem no latim primo vere, o que significa 'antes do verão'.

Nesta estação, com o clima mais ameno, nem tão quente quanto o Verão e nem tão frio como no Inverno, as pessoas que costumam se enfurnar dentro de suas casas, retirar-se do convívio social, isolar-se para proteger-se da baixa temperatura, planejam sair da hibernação. É o período em que as ruas ficam mais povoadas, os cinemas mais cheios, os bares mais frequentados e os encontros tendem a ser mais incentivados. Parece que o florescer da Primavera permite o desabrochar de sentimentos nas pessoas. Porque aqui no hemisfério Sul, é usual as pessoas fugirem para as praias no Verão e trancarem-se nos seus lares no Inverno.

Com os dias razoavelmente maiores (as noites e os dias passam a ter a mesma duração), o ânimo fica renovado para caminhar no parque no final da tarde, chegar em casa um pouco mais tarde depois de um dia exaustivo de trabalho, ceder à tentação e ir ao cinema no meio da semana e aceitar o convite da amiga para uma conversa e bebericar um chope. Finda-se o período de enclausuramento, da solidão por escolha, da recusa para qualquer agenda social, do estoque das comidas e bebidas na despensa da cozinha para evitar sair à rua. Inaugura-se a fase animadora das permissões, das entregas, das trocas, das aventuras, da vida coletiva.

Por isso, ouso apropriar-me de um pensamento do Che Guevara, guerrilheiro, político, jornalista, escritor e médico, para explicar esta demora da estação em se revelar: "Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a Primavera inteira".

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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