O coronavírus muda nossa forma de ver o mundo

Por Elis Radmann

Não imaginávamos entrar em uma "guerra" invisível, contra um inimigo que não enxergamos e temos pouca informação. Ouvimos histórias sobre as dificuldades e tristezas causadas pela gripe espanhola ou sobre as consequências da primeira e da segunda mundial. Mas para nós eram apenas histórias. 

Não sabíamos o que era o distanciamento social, o isolamento social, quarenta, o toque de recolher, a intervenção horizontal com bloqueio do que não é essencial. Não tínhamos visto o comércio fechar, a novela deixar de ser gravada ou uma olimpíada ser cancelada. 

Agora, se prestarmos atenção à história da humanidade, as guerras trazem consigo uma ruptura, que cria uma mudança social e que marca as gerações que passaram por essa situação. Essa mudança está associada às novas experiências vividas, ao medo, ao sofrimento e ao fortalecimento da esperança e da solidariedade. Todos esses sentimentos alteram o comportamento e fazem com que as pessoas olhem o mundo por outro ângulo.

E isso acontece porque o certo, vira incerto. Em um curto espaço de tempo, nossa vida vira de cabeça para baixo, temos a sensação de que sabemos muito pouco ou quase nada e passamos a viver um dia após o outro.

Vivíamos em uma zona de conforto, com os nossos problemas e dificuldades cotidianas, mas sem muitas surpresas. Estávamos tão acostumados a dizer que no Brasil nada mudava, que os políticos não prestavam e tínhamos quase a certeza de que não se podia confiar em ninguém! Tínhamos dado um rótulo e tudo estava resolvido.

Nos acostumamos a ver a violência, a falta de leitos nos hospitais e a miséria como parte de uma realidade que não nos afetava mais. Sabíamos que o respeito estava cada vez menor e que a intolerância cada vez maior e íamos tocando.

Tínhamos cada vez menos tempo e menos paciência para dar um apoio a quem precisava, para dar aquele abraço em um amigo ou até para sentar e alertar um familiar sobre os riscos de suas decisões. Estávamos perdendo a nossa essência, a nossa identidade, o sentimento de comunidade e tudo o que aprendemos com os nossos pais e avós. E de repente chegamos em um momento que temos que parar por eles, que nos preocupamos com eles e que começamos a ver tudo de outra forma. 

O medo nos ajuda a olharmos para dentro de nós, a rever a nossa espiritualidade, a pensar no outro e descobrimos que somos frágeis diante dessa situação. As experiências não serão iguais e nem os aprendizados. Cada um de nós irá passar por isso de um jeito diferente. Temos a capacidade de escolher a forma como olhamos e como absorvermos os sinais que recebemos. 

Podemos escolher se vamos ficar reclamando ou se vamos reagir e procurar aprender com tudo isso. Se vamos colocar a culpa em alguém ou se vamos exercitar a compressão. Se vamos ativar a intolerância ou se vamos praticar o respeito. Se vamos entrar em depressão ou fortalecer nossa crença.  Se vamos ficar tristes pelo dinheiro que deixamos de ganhar ou se vamos ajudar quem não tem dinheiro nem para comer. Podemos escolher se vamos semear o ódio ou plantar o amor.  

As rupturas mudam os paradigmas de nossa existência, redesenham a nossa realidade e mudam as regras do jogo. E temos que olhar e aprender com tudo isso. 

Não há como passarmos por tudo isso e não mudarmos. A grande pergunta é: como passaremos por tudo isso? Vamos aproveitar esse momento para desintoxicar nossa alma e rever conceitos? Vamos sair de tudo isso como seres humanos melhores? 

Autor
Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO - Instituto Pesquisas de Opinião em 1996 e tem a ciência como vocação e formação. Socióloga (MTB 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e tem especialização em Ciência Política pela mesma instituição. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Elis é conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) e Conselheira de Desburocratização e Empreendedorismo no Governo do Rio Grande do Sul. Coordenou a execução da pesquisa EPICOVID-19 no Estado. Tem coluna publicada semanalmente em vários portais de notícias e jornais do RS. E-mail para contato: [email protected]

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